Marcelo Barros
O sistema
atual que domina o mundo insiste em afirmar que não adianta sonhar. A realidade
é cada vez mais dura e cruel. Se milhões de pessoas passam fome, insistem que isso
é inevitável. Empresas mineradoras destroem o planeta apenas para garantir
lucros fantásticos à pequena elite que as dirige. Chamam isso de progresso. Com
razão, o papa Francisco denuncia: a maioria dos seres humanos é considerada
descartável. No entanto, mesmo nessa realidade, povos tradicionais e
comunidades resistem e lutam para alcançar o sonho de uma vida digna.
Povos como os
Xavantes no Centro-oeste, os Yanomami no norte da Amazônia e os Tabajara no
litoral da Paraíba levam muito a sério os sonhos. Uma das importantes funções
dos mais velhos é sonhar. Esses sonhos são instrumentos de escuta do Espírito
que conduz pessoas e comunidades para um projeto de vida e de justiça para
todos.
No começo
desse século, em Alagoas, um rapaz de menos de 30 anos que se preparava para
jogar futebol em um time de Portugal recebeu de um ancião da família o aviso.
Um sonhador mandava dizer: aquele jovem pertencia à antiga nação dos Tabajara.
E sua função não seria apenas jogar futebol e sim reunir os parentes dispersos
e ajudá-los a recuperar suas terras ancestrais e o modo de viver próprio do seu
povo. O rapaz acolheu o chamado. Atualmente, embora continuem lutando pela
titulação da terra e reconhecimento da sociedade, os Tabajara estão organizados
em dezenas de aldeias no litoral sul da Paraíba.
Há mais de dez anos, Riccardo Petrella,
pensador e sociólogo italiano, escreveu: “O
direito de sonhar” (2004). Nesse livro, ele propunha “as opções econômicas e políticas possíveis para uma sociedade justa”.
Denunciava a forma iníqua como, com a conivência dos meios de comunicação de
massa e de muitos governos, a maior parte da humanidade se tornou prisioneira e
refém dos bancos e dos banqueiros,. Para mais de um bilhão de pessoas humanas,
os grandes conglomerados financeiros internacionais agem como verdadeiros “ladrões de sonhos”. Organizam o mundo de
forma que impede a maioria das pessoas de viver dignamente. Mesmo em países ainda
considerados ricos como Alemanha e França, jovens com mais de 30 anos não podem
casar, porque não têm emprego fixo e não conseguem sustentar uma casa. A maioria
da população deve aceitar passivamente manter-se nos limites arriscados da mera
sobrevivência, para que uma pequena elite se torne cada vez mais rica. Uma
pesquisa recente mostrou: Na Itália, de cada três jovens, um está desempregado
e sem esperança de conseguir emprego. Enquanto isso, apenas dez pessoas possuem
atualmente uma renda equivalente a três milhões de italianos. Essa é a mesma
lógica que faz com que, conforme dados da ONU, o Brasil seja o terceiro país no
mundo em desigualdade social. Apenas cinco brasileiros detêm uma renda
equivalente à metade da população brasileira.
O direito de
sonhar implica na decisão de organizar uma sociedade mais justa e igualitária. Para
isso, são necessárias opções econômicas e políticas diferentes e novas. Isso tem
como base uma confiança que vem do coração humano e está ligada à fé. Para
muitos, se trata de fé na vida, confiança na bondade fundamental do ser humano
e alegria de ver que existem sinais de uma nova consciência de paz e comunhão
de toda a humanidade e entre os seres humanos e a natureza.
A Bíblia diz
que isso é o projeto divino para o mundo. É o Espírito quem move a humanidade
nessa direção. Transforma o futuro em caminho real de um mundo novo de justiça
e paz. Assim, o direito de sonhar não é apenas projeção dos desejos
inconscientes. É missão de todas as pessoas famintas e sedentas de justiça. Ao
lutar pacificamente para realizar esse sonho coletivo de paz e justiça, não
estamos sozinhos. Conosco está Alguém que se manifesta em todo ato de amor e
nos dá a força de tornar real a utopia de uma vida verdadeiramente realizada e
feliz. Para sonhar e lutar por seu sonho, ninguém precisa ser Dom Quixote ou
entoar a clássica canção da peça “O homem
de la Mancha”, imortalizada no Brasil pela voz de Maria Bethânia: “Sonhar mais um sonho impossível; lutar,
quando é fácil ceder; vencer o inimigo invencível, negar, quando a regra é
vender...” Em Chiapas no México, há mais de 20 anos, as comunidades
indígenas se rebelaram contra o Estado e proclamaram sua autonomia social e
política. Os seus comandantes afirmavam: “Somos
um exército de sonhadores. Por isso, somos invencíveis”.
MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor.
Tem 44 livros publicados, dos quais “O Espírito vem pelas
Águas", Ed. Rede da Paz e Loyola. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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