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quinta-feira, 25 de abril de 2019

O DESFILE DE PEN




Por Frei Betto

          O Banco Mundial divulgou, a 4 de abril, relatório no qual destaca que a pobreza triplicou no Brasil entre 2014 e 2017. Hoje, atinge 21% da população, ou seja, 43,5 milhões de pessoas, o que equivale a toda a população do estado de São Paulo. São brasileiros e brasileiras que dispõem de renda diária de R$ 20,9, ou de apenas R$ 627 por mês!

          Entre 2003 e 2014, a parcela da população brasileira vivendo com menos de R$ 20,9 por dia (na paridade do poder de compra de 2011) caiu de 41,7% para 17,9%. Essa tendência se reverteu em 2015, quando a pobreza aumentou para 19,4% da população.

          Dados do Banco Mundial mostram que a contração da economia brasileira, em 2015 e 2016, freou uma década de redução continuada da pobreza. “As crescentes taxas de pobreza do Brasil têm sido acompanhadas por um salto na taxa de desemprego, que cresceu quase seis pontos percentuais do primeiro trimestre de 2015, e chegou a 13,7% da população no primeiro trimestre de 2017”, aponta o organismo financeiro. Em 2018, com o crescimento econômico de apenas 1,1%, as taxas de pobreza se mantiveram altas.

          O Banco Mundial utilizou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2018, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) 2017, e do Conselho Nacional de Justiça.

          O banco ressalta ainda a importância dos programas sociais “como amortecedores do choque”. No entanto, o atual governo do Brasil caminha na direção contrária. Propõe uma reforma da Previdência que penaliza ainda mais os pobres, em especial os trabalhadores rurais e os que recebem Benefício de Prestação Continuada. E o Ministério da Economia quer que o reajuste anual do salário mínimo seja feito sem ganho real para os trabalhadores.

          Hoje, o cálculo de reajuste do salário mínimo leva em conta o resultado do PIB dos dois anos anteriores, mais a inflação do ano anterior medida pelo INPC. Isso garante que o aumento do salário mínimo supere a inflação, reduza a desigualdade social e amplie o consumo das famílias. 

          Agora o governo propõe que o reajuste seja feito levando em conta apenas a inflação, o que representaria uma economia de R$ 7,6 bilhões para os cofres públicos. 

          Vale ressaltar que esta é uma conta de náufrago, aquele que, isolado na ilha na qual nada se vende, ocupa seus dias contando dinheiro. O que o governo pretende economizar equivale a recolher água em peneira. Pois reduzir o valor do salário mínimo é contribuir para o aumento de enfermidades, evasão escolar, moradores de rua e criminalidade, além de reduzir a venda de bens e serviços. Isso significa mais gastos do governo com saúde, assistência social, aparelho policial repressivo, prisões e sistema judiciário.

          A América Latina e o Caribe  tinham renda per capita de US$ 10,7 mil em 1980. Representava 45,3% da renda das economias avançadas naquele ano. Já em 2023 a renda per capita de nosso Continente deve chegar a US$ 15,9 mil, apenas 32,4% da renda das economias avançadas, o que significa aumento de apenas 1,5 vez, bem menor do que os 2,1 vezes dos países ricos. 

          As manifestações dos “coletes amarelos”, na França, têm o mérito de colocar na pauta do dia a pobreza e a desigualdade que se alastram também pelo chamado Primeiro Mundo. Enquanto a miséria se aprofunda, as Bolsas de Valores batem recordes. Como alertou Simone Weil, “ao fazer do dinheiro o móvel único ou quase de todos os atos, a medida única ou quase de todas as coisas, espalhou-se o veneno da desigualdade em toda parte”.

          Em 1971, o economista holandês Jan Pen publicou um tratado sobre a distribuição de renda no Reino Unido, no qual descreveu um desfile de carnaval reunindo as pessoas mais pobres, na abertura, e as mais ricas, no final. Daí o termo “Desfile de Pen”. O Banco Mundial propôs o mesmo para o Brasil, colocando na Sapucaí “o desfile mais estranho da história”.

          “Por muito tempo, o público só veria pessoas incrivelmente pequenas (apenas alguns centímetros de altura). Levaria mais de 45 minutos para os participantes alcançarem a mesma altura dos espectadores. Nos minutos finais, gigantes incríveis, mais altos do que montanhas, apareceriam”, descreve o relatório, produzido pelo economista-chefe do Banco Mundial para América Latina e Caribe.

          O encerramento seria feito por um número insignificante de foliões, os milionários brasileiros com renda mensal acima de R$ 55 mil (1,2 milhão de pessoas em uma população de 208 milhões), porém com mais destaque do que a multidão que os precedeu (206,8 milhões de pessoas), pois seus corpos teriam 100 mil metros de altura!

Frei Betto é escritor, autor de “Por uma educação crítica e participativa” (Anfiteatro/Rocco), entre outros livros.
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