Por Frei Betto
O
Banco Mundial divulgou, a 4 de abril, relatório no qual destaca que a pobreza
triplicou no Brasil entre 2014 e 2017. Hoje, atinge 21% da população, ou seja,
43,5 milhões de pessoas, o que equivale a toda a população do estado de São
Paulo. São brasileiros e brasileiras que dispõem de renda diária de R$ 20,9, ou
de apenas R$ 627 por mês!
Entre
2003 e 2014, a parcela da população brasileira vivendo com menos de R$ 20,9 por
dia (na paridade do poder de compra de 2011) caiu de 41,7% para 17,9%. Essa
tendência se reverteu em 2015, quando a pobreza aumentou para 19,4% da
população.
Dados
do Banco Mundial mostram que a contração da economia brasileira, em 2015 e
2016, freou uma década de redução continuada da pobreza. “As crescentes taxas
de pobreza do Brasil têm sido acompanhadas por um salto na taxa de desemprego,
que cresceu quase seis pontos percentuais do primeiro trimestre de 2015, e
chegou a 13,7% da população no primeiro trimestre de 2017”, aponta o organismo
financeiro. Em 2018, com o crescimento econômico de apenas 1,1%, as taxas de
pobreza se mantiveram altas.
O
Banco Mundial utilizou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(PNAD) 2018, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da
Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) 2017, e do Conselho Nacional de
Justiça.
O
banco ressalta ainda a importância dos programas sociais “como amortecedores do
choque”. No entanto, o atual governo do Brasil caminha na direção contrária.
Propõe uma reforma da Previdência que penaliza ainda mais os pobres, em
especial os trabalhadores rurais e os que recebem Benefício de Prestação
Continuada. E o Ministério da Economia quer que o reajuste anual do salário
mínimo seja feito sem ganho real para os trabalhadores.
Hoje,
o cálculo de reajuste do salário mínimo leva em conta o resultado do PIB dos
dois anos anteriores, mais a inflação do ano anterior medida pelo INPC. Isso
garante que o aumento do salário mínimo supere a inflação, reduza a
desigualdade social e amplie o consumo das famílias.
Agora
o governo propõe que o reajuste seja feito levando em conta apenas a inflação,
o que representaria uma economia de R$ 7,6 bilhões para os cofres
públicos.
Vale
ressaltar que esta é uma conta de náufrago, aquele que, isolado na ilha na qual
nada se vende, ocupa seus dias contando dinheiro. O que o governo pretende
economizar equivale a recolher água em peneira. Pois reduzir o valor do salário
mínimo é contribuir para o aumento de enfermidades, evasão escolar, moradores
de rua e criminalidade, além de reduzir a venda de bens e serviços. Isso
significa mais gastos do governo com saúde, assistência social, aparelho
policial repressivo, prisões e sistema judiciário.
A América
Latina e o Caribe tinham renda per capita de US$ 10,7 mil em
1980. Representava 45,3% da renda das economias avançadas naquele ano. Já em
2023 a renda per capita de nosso Continente deve chegar a US$ 15,9 mil, apenas
32,4% da renda das economias avançadas, o que significa aumento de apenas 1,5
vez, bem menor do que os 2,1 vezes dos países ricos.
As
manifestações dos “coletes amarelos”, na França, têm o mérito de colocar na
pauta do dia a pobreza e a desigualdade que se alastram também pelo chamado
Primeiro Mundo. Enquanto a miséria se aprofunda, as Bolsas de Valores batem
recordes. Como alertou Simone Weil, “ao fazer do dinheiro o móvel único ou
quase de todos os atos, a medida única ou quase de todas as coisas, espalhou-se
o veneno da desigualdade em toda parte”.
Em
1971, o economista holandês Jan Pen publicou um tratado sobre a distribuição de
renda no Reino Unido, no qual descreveu um desfile de carnaval reunindo as
pessoas mais pobres, na abertura, e as mais ricas, no final. Daí o termo
“Desfile de Pen”. O Banco Mundial propôs o mesmo para o Brasil, colocando na
Sapucaí “o desfile mais estranho da história”.
“Por
muito tempo, o público só veria pessoas incrivelmente pequenas (apenas alguns
centímetros de altura). Levaria mais de 45 minutos para os participantes
alcançarem a mesma altura dos espectadores. Nos minutos finais, gigantes
incríveis, mais altos do que montanhas, apareceriam”, descreve o relatório,
produzido pelo economista-chefe do Banco Mundial para América Latina e Caribe.
O
encerramento seria feito por um número insignificante de foliões, os
milionários brasileiros com renda mensal acima de R$ 55 mil (1,2 milhão de
pessoas em uma população de 208 milhões), porém com mais destaque do que a
multidão que os precedeu (206,8 milhões de pessoas), pois seus corpos teriam
100 mil metros de altura!
Frei Betto é escritor, autor
de “Por uma educação crítica e participativa” (Anfiteatro/Rocco), entre outros
livros.
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