Por
Leonardo Boff
Chico Mendes é um lídimo filho da
floresta, identificado com ela. Cedo se deu conta de que o atual desenvolvimento
prescinde da natureza e que se faz contra ela, pois, a vê antes como um estorvo
que como um aliado. Foi um dos poucos que entendeu a sustentabilidade como
equilíbrio dinâmico e autoregulador da Terra, graças a cadeia de
interdependências entre todos os seres, especialmente, dos vivos que vivem de
recursos permanentemente reciclados e, por isso, indefinidamente sustentáveis.
A Amazônia é o exemplo maior desta sustentabilidade natural.
Nós que o conhecemos e com quem
privamos de amizade, sabemos de sua profunda identificação com a floresta
amazônica, com sua imensa biodiversidade, com os seringais, com os animais, com
o mais leve sinal de vida da mata. Tinha o espírito de um São Francisco
moderno.
Dividia seu tempo entre a cidade e a
selva. Mas quando estava na cidade ouvia fortemente o chamado da selva, em seu
corpo e em sua alma. Percebia-se parte dela e não sobre ela. Por isso,
regressava de tempos em tempos ao seu seringal e à comunhão com a natureza. Aí
sentia-se em seu habitat, em sua verdadeira casa.
Mas sua consciência socioecológica o
fazia deixar, por algum tempo, a floresta para organizar os seringueiros,
fundar células sindicais e participar das lutas de resistência: os famosos
“empates”, estratégia pela qual os seringueiros junto com suas crianças, velhos
e outros aliados se postavam pacificamente diante das máquinas dos
desmatadores, impedindo-lhes de derrubar as árvores.
Face às queimadas como as atuais da
Amazônia que em 2019, foram de 74,155, focos atingindo 18.627 km2, Chico Mendes
sugeriu em nome do movimento dos povos da floresta a criação de reservas
extrativistas, aceitas pelo Governo Federal em 1987. Bem dizia: “nós
seringueiros, entendemos que a Amazônia não pode se transformar num santuário
intocável. Por outro lado, entendemos também que há uma necessidade urgente de
desenvolvimento, mas sem desmatar e com isto ameaçar a vida dos povos do
planeta”.
Afirmou: “no início defendia os
seringueiros, depois compreendi que devia defender a natureza e por fim,
percebi que devia defender a Humanidade. Por isso propomos uma alternativa de
preservação da floresta que fosse ao mesmo tempo econômica. Então pensamos na
criação da reserva extrativista” (cf. Grzybowski, C.,(org.) O
testamento do Homem da Floresta: Chico Mendes por ele mesmo, FASE, Rio de
Janeiro 1989 p.24).
Ele mesmo explica como funciona:”Nas
reservas extrativistas nós vamos comercializar e industrializar os produtos que
a floresta generosamente nos concede. A universidade precisa acompanhar a
reserva extrativista. Ela é a única saída para a Amazônia não desaparecer. E
mais : essa reserva não terá proprietários. Ela vai ser um bem comum da
comunidade. Teremos o uso-fruto não a propriedade” (cf. Jornal do Brasil 24/12/1988).“Destarte
se encontraria uma alternativa ao extrativismo selvagem que somente traz
vantagens aos especuladores. Uma árvore de mogno, cortada no Acre, custa de 1-5
dólares; vendida no mercado europeu custa cerca de 3-5 mil dólares”.
Na véspera do Natal de 1988 foi
vítima da sanha dos inimigos da natureza e da humanidade. Foi assassinado com 5
balas. Deixou a vida amazônica para entrar na história universal e no
inconsciente coletivo dos que amam nosso planeta e sua biodiversidade.
Chico Mendes virou um arquétipo que
anima a luta pela preservação da floresta amazônica e dos povos da floresta,
hoje assumida por milhões de pessoas. Entendemos a indignação de muitos membros
do G 7, liderados por E.Macron, presidente da França, contra a devastação irracional
promovida pelo Presidente Bolsonaro. Comete um crime contra Humanidade e
mereceria ser julgado por esse crime. A Amazônia é um Bem Comum da Humanidade.
Os megaprojetos amazônicos
(brasileiros e estrangeiros) refutam o tipo de desenvolvimento depredador do
capitalismo. Ele produz apenas crescimento, apropriado por alguns à custa da
floresta e da miséria de seus povos. É contra a vida e inimigo da Terra. Ele é
fruto de uma racionalidade demente.
Tais projetos faraônicos.sem as
devidas informações tomam decisões em escritórios gélidos, longe da paisagem
que encanta, cegos aos rostos suplicantes dos sertanejos e indiferentes aos
olhos ingênuos dos índios, sem qualquer vínculo com a empatia e com o sentido
de respeito da selva e de solidariedade humana.
Diferente é o Instrumento de trabalho
para o Sínodo Panamazônico, onde a voz mais presente e ouvida é dos povos da
floresta. Eles sabem protegê-la. Oferecem as melhores sugestões, unindo a
salvaguarda da floresta e a extração e produção de seus bens naturais.
Esse “desenvolvimento” é feito para o
povo e com o povo. Ele deslegitima a ideia dominante, especialmente do
agronegócio de que as florestas deviam ser erradicadas. Caso contrário não se
entraria na modernidade.
Os estudos mostraram que não é
preciso destruir a floresta amazônica para tirar riquezas dela. A extração dos
frutos das palmeiras (açai, buriti, bacaba, pupunha etc), da castanha-do-pará,
da seringa, dos óleos e corantes vegetais, das substâncias alcaloides para a
farmacologia, das substâncias de valor herbicida e fungicida rendem mais do que
todo o desmatamento que sob o governo de Bolsonaro cresceu mais de 230%.
Só os 10% das terras roxas (terras
dos índios) já identificadas de excelente fertilidade podem tornar-se áreas de
maior produção agrícola mundial. A exploração de minério e de madeira podem
caminhar juntos com um reflorestamento permanente que garanta a mancha verde
das áreas afetadas (cf. Moran, E., A economia humana das populações na
Amazônia, Vozes, Petrópolis 1990, 293 e 404-405 ; Schubart, H., Ecologia
e utilização das Florestas, em Salati, E., Amazônia,
desenvolvimento, integração, ecologia, op.cit. 101-143).
A Amazônia é o lugar de ensaio de uma
alternativa possível, em consonância com o ritmo daquela natureza luxuriante,
respeitando e valorizando a sabedoria dos povos originários.
Chico Mendes será para o Sínodo
Panamazônico a realizar-se em outubro de 2019 em Roma, um exemplo paradigmático
e uma fonte de inspiração.
Leonardo Boff é eco-teólogo e
filósofo e escreveu Como cuidar da Casa Comum: uma ética da Terra,
Vozes 2018.
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