por Maria
Clara Lucchetti Bingemer
Não é de hoje que o movimento da vida é comparado ao de uma gangorra. O
brinquedo no qual se sobe e desce alternadamente nas extremidades de uma longa
trave apoiada sobre um espigão faz as delícias das crianças. E também dos
adultos muitas vezes. Pelo movimento que faz subir e descer, não podendo jamais
estacionar ao mesmo nível, o significado de gangorra é associado à
insegurança, incerteza, instabilidade.
Daí a comparação com a vida, que é o território das surpresas e dos
inesperados, levando ora para cima, ora para baixo, aqueles que nela estão
embarcados pelo nascimento e que só chegarão ao porto no momento da morte. Nada
mais inseguro, instável do que a vida. E, no entanto, como é apaixonante,
bela, preciosa. Tudo que sabemos é que não pedimos para nascer, mas não
queremos morrer. A gangorra em movimento nos fascina e nela queremos
estar, sem parar e sem desistir. E os pequenos que estão começando a viver se
deliciam com o movimento para cima e para baixo, incessante e constante.
No entanto, há alguns dias esse tradicional brinquedo ganhou a mídia e as redes
sociais com novo significado. Tudo porque dois professores da Califórnia
resolveram através não de uma, mas de várias gangorras, subverter o bloqueio e
o terror instaurados na fronteira entre México e Estados Unidos. A política
migratória, cada vez mais dura do Presidente Donald Trump, tem tido como
consequência violência, mortes e deportações na fronteira entre os vizinhos do
norte e do sul.
Dois artistas que são também
educadores resolveram inverter a mensagem de obstrução e interdição que o muro
representa. Em Sunland Park, no estado de New Mexico, foram instaladas
gangorras que, deflorando a violência fria e inexpugnável do muro, chegam a
Ciudad Juarez, do outro lado. E assim convidam à brincadeira e ao balanço
tanto estadunidenses como mexicanos, adultos e crianças, pessoas que se
encontram de um lado e outro da fronteira.
Desde o último dia 29, as gangorras foram instaladas e começaram a ser
usadas. De um lado, Sunland Park, do outro Ciudad Juarez, uma das mais
violentas na fronteira mexicana, onde o feminicídio tem taxas altíssimas e tem
havido muitos casos de estupro, violência e morte com os migrantes que por ali
passam.
A ideia dos dois professores, um arquiteto e uma designer, é mais antiga. Data
de 2009. Mas somente agora foi implementada. E o resultado foi que
o mundo inteiro pôde ver, graças às tecnologias de comunicação veloz que hoje
temos, crianças e adultos de ambos os países interagindo, rindo, conversando,
brincando enfim. O símbolo sombrio do muro que separa os dois territórios foi
subvertido pelas gangorras de cor rosa forte, onde mexicanos e estadunidenses
sobem e descem, dialogam e fazem comunhão.
Embora aparentemente a intenção da instalação das gangorras tivesse um objetivo
primário imediato, que era atrair as crianças, já alcançou muito mais. Não só
crianças têm usado a gangorra. Adultos também se balançam na trave
inquieta e rosada que atravessa a grande barreira de aço do muro da
divisão. E pessoas de distintas nacionalidades, não apenas mexicanos e
estadunidenses, entram no balanço das gangorras e alternam subidas e descidas
que movimentam o corpo e refrescam o espírito.
Mais que isso, porém, os dois pedagogos tinham um objetivo ainda mais
profundo. O muro foi feito para separar os dois países e deter os
migrantes que vêm não apenas do México, mas de vários países da América
Central, tentando chegar ao sonho de uma vida melhor e mais digna. Agora,
porém, é ponto de apoio de relações. E as gangorras fazem com que aqueles que
ali se sentam e se balançam, rindo e conversando, também reflitam sobre o fato
de que o que acontece de um lado tem uma consequência direta para o outro
lado.
Aí reside talvez o sentido mais pleno e profundo da afirmação de que a vida é
uma gangorra. Nada do que se faz fica impune. Nenhuma de nossas
ações deixa de repercutir sobre o outro e sua vida. O fechamento das
fronteiras de uma nação rica, obstruindo a entrada de pessoas que vêm de uma
situação de pobreza e violência, tem consequências dolorosas e até
mortais.
A gangorra ensina que tudo que sobe desce. Isso significa que aquele ou
aquela que hoje está em situação confortável observando a vida desde uma
altitude privilegiada, amanhã poderá estar por baixo, em vulnerabilidade e
desvantagem. Se fosse transferida para o comunitário e o coletivo, talvez
as gangorras que perfuram o muro “intransponível” para conectar os de cima e os
de baixo pudessem servir para chamar atenção e conscientizar uns e outros,
transformando a fronteira em um lugar mais humano e menos inóspito.
As gangorras da fronteira mostram que podem, além de subir e descer, perfurar
silêncios e bloqueios, e construir relações e solidariedade. Parabéns aos dois
autores que colocaram em prática essa bela ideia.
Maria Clara Bingemer é teóloga, professora do
Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de “Simone Weil – Testemunha
da paixão e da compaixão" (Edusc), entre outros
livros
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