Por Marcelo
Barros
Nessa
semana, no Brasil, as comunidades cristãs e as pessoas que buscam a justiça
lembram com saudade de três bispos que exerceram sua missão de modo profético e
nos deixaram no mês de agosto. No dia 27, celebramos o 20º aniversário da
partida de Dom Hélder Câmara (1999), arcebispo emérito de Olinda e Recife,
profeta da não violência e da ação justiça e paz. Sete anos depois, (2006), na
mesma data, partiu Dom Luciano Mendes de Almeida (2006), arcebispo de Mariana,
MG, considerado pai dos pobres e que, com sua sabedoria, ajudou muito a Igreja
Católica na América Latina. Na mesma data, em 2017, falecia, em Belo Horizonte,
Dom José Maria Pires, ex-arcebispo de João Pessoa e pioneiro da pastoral das
comunidades afrodescendentes no Brasil.
Esses
profetas viveram e atuaram em tempos difíceis de um Brasil sob ditadura militar
e dentro de uma Igreja Católica, dominada pelo conservadorismo e pela tendência
de centralização autoritária.
Atualmente,
no Brasil, temos uma realidade política difícil que favorece a desigualdade
social, a marginalização dos povos indígenas, das comunidades negras e de todos
os mais pobres. Do outro lado, em Roma, na coordenação das Igrejas de comunhão
católico-romana, temos o papa Francisco que propõe o modelo de uma Igreja
Sinodal e a valorização das Igrejas locais. A esses bispos profetas, não teria
sido necessário o papa Francisco pedir que fossem à periferia e tornassem a
Igreja pobre e dos pobres. Eles já viviam isso por convicção de fé e por terem
sido confirmados nesse caminho pelo Concílio Vaticano II e pela conferência
latino-americana de Medellín (1968). Dom Luciano se tornou bispo depois do
Concílio. Dom José Maria foi ordenado bispo durante o Concílio, mas assumiu a
arquidiocese de João Pessoa dois anos depois do Concílio (1967). Durante o
Concílio, Dom Hélder liderou um grupo de mais de 40 bispos que, no dia 16 de
novembro de 1965, se reuniu em Roma e assinou um compromisso de viver como
pobres e ajudar a Igreja a se inserir no meio dos pobres como Igreja serva,
pobre e missionária. empobrecidos.
Há
mais de seis anos, o papa Francisco se tornou bispo de Roma. Ele revalorizou os
princípios fundamentais da renovação eclesial do Concílio Vaticano II: o
caráter de Igreja particular de cada diocese, a responsabilidade de todos os
bispos junto com o papa pela Igreja Universal e a necessidade da Igreja retomar
o diálogo amoroso e humilde com a humanidade, que, há 60 anos, o papa João
XXIII iniciou e que, a partir do final dos anos 70, foi interrompido.
Retomar
agora o diálogo com a humanidade é mais exigente do que exige a capacidade de
interpretar os sinais dos tempos atuais e escutar os apelos e clamores do mundo
dos pobres. Para isso, é preciso uma coragem profética que Dom Helder Camara,
Dom Luciano Mendes de Almeida e Dom José Maria Pires tiveram. A eles, o papa Francisco não precisaria pedir
que se libertassem do clericalismo. Eles se fizeram irmãos do povo e se viam
como pessoas comuns. Junto com outros bispos do seu tempo, souberam superar
preconceitos e dialogar com a parte da humanidade que procura a transformação
social e tem fome e sede de justiça e de um mundo mais igualitário e livre.
Na
história, muitas vezes, a ideia de transformação social esteve ligada a ódio,
violência e luta armada. Hoje, precisamos resgatar a meta de uma revolução
social e política baseada em valores humanos e em uma nova ética. Essa
revolução deve radicalizar a democracia, tornando-a mais verdadeira e profunda.
Toma a educação como tarefa prioritária para transformar o mundo e,
principalmente, deve partir dos mais pobres. Por isso, valoriza as culturas
indígenas e negras e se solidariza a todas as forças que trabalham pela
transformação social da América Latina e Caribe.
Quem
é cristão participa desse processo, fazendo a memória perigosa dos nossos
profetas e profetizas. Figuras como as de Dom Helder Camara, Dom Luciano Mendes
de Almeida e Dom José Maria Pires nos animam nesse caminho e nos lembram o que
escreveu Paulo aos romanos: “Não se
conformem com esse mundo, mas o transformem pela renovação de suas mentes”
(Rm 12, 1).
MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 44 livros publicados, dos quais “O Espírito vem pelas Águas", Ed. Rede da Paz e Loyola. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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