Por Leonardo
Boff
Dedicado para a pensadora e mestre-astróloga Martha Pires Ferreira
Vivemos atualmente tempos sombrios de
muito ódio e falta de refinamento. Precisamos resgatar o mais importante e que
verdadeiramente nos humaniza: o simples amor. Estimo que devemos sempre retomar
o tema do amor universal e sem précondições.
Sobre ele se disseram as coisas mais
elevadas até o de designar o nome próprio de Deus. Para superar o discurso,
convencional, convém incorporar a contribuição que nos vem das várias ciências
da Terra, da biologia e dos estudos sobre o processo cosmogênico. Mais e mais
fica claro que o amor é um dado objetivo da realidade global e cósmica, um
evento bem-aventurado do próprio ser das coisas, nas quais nós estamos
incluídos.
Dois movimentos, entre outros,
presidem o processo cosmogênico: a necessidade e a espontaneidade.
Por necessidade de
sobrevivência todos os seres são interdepententes e se ajudam uns aos outros. A
sinergia e a cooperação de todos com todos, mais que a seleção natural,
constituem as forças mais fundamentais do universo, especialmente, entre os
seres orgânicos. A solidariedade é mais que um imperativo ético. É a dinâmica
objetiva do próprio cosmos e que explica por que e como chegamos até aqui.
Junto com essa força da necessidade
comparece também a espontaneidade.
Os seres se relacionam e
interagem espontanemente, por pura gratuidade e alegria de
conviver. Tal relação não responde a uma necessidade. Ela se instaura por um
impulso de criar laços novos, pela afinidade que emerge espontaneamente e que
produz o deleite. É o universo da novidade, da irrupção de uma virtualidade
latente que faz surgir algo maravilhoso e que torna o universo um sistema
aberto. É o advento do amor.
Ele se dá entre todos os seres, desde
os primeiros topquarks que se relacionaram para além da necessidade de criarem
campos de força que lhes garantissem a sobrevivência e o enriquecimento na
troca de informações. Muitos se relacionaram por se sentirem espontaneamente atraídos
por outros e comporem um mundo não necessário, gratuito, mas possível e real.
Desta forma, a força do amor
atravessa todos os estágios da evolução e enlaça todos os seres dando-lhes
irradiação e beleza.. Não há razão que os leve a se comporem em elos de
espontaneidade e liberdade. Fazem-no por puro prazer e por alegria de conviver.
Cosmólogos há que afirmam ser o universo todo colorido e, portanto,
extremamente belo.
O amor cósmico realiza o que a
mística sempre intuiu: “a rosa não tem por quê. Ela floresce por florescer. Ela
não cuida dela mesma nem se preocupa se a admiram ou não”. Assim o amor, como a
flor, ama por amar e floresce como fruto de uma relação livre, como entre os
enamorados.
Pelo fato de sermos humanos e
autoconscientes, podemos fazer do amor um projeto pessoal e civilizatório:
vive-lo conscientemente, criar condições para que a amorização aconteça entre
os seres humanos e com todos os demais seres da natureza. Podemos nos enamorar
de uma estrela distante e fazer uma história de afeto
com ela.Os poetas sabem disso.
O amor é urgente no Brasil e no
mundo. Milhares de refugiados são excluídos e nordestinos, ofendidos. Mais que
perguntar quem destila raiva e intolerância é perguntar por que as praticam.
Seguramente porque faltou o amor como relação que abriga os seres humanos na
bela experiência de cada um se abrir e acolher jovialmente o outro e de se
respeitarem mutuamente.
Digamo-lo com todas as palavras: o
sistema mundial imperante não ama as pessoas. Ele ama o dinheiro e os bens
materiais; ele ama a força de trabalho do operário, seus músculos, seu saber,
sua produção e sua capacidade de consumir. Mas ele não ama gratuitamente as
pessoas como pessoas, portadoras de dignidade e de valor.
Pregar o amor e dizer: “amemo-nos
uns aos outros como nós mesmos nos amamos”, significa uma revolução. É ser
anti-cultura dominante e contra o ódio imperante.
Há de se fazer do amor aquilo que o
grande florentino, Dante Alignieri, escreveu no final de cada cântico da Divina
Comédia: “o amor que move o céu e todas as estrelas”; e eu acrescentaria, amor
que move nossas vidas, amor que é o nome sacrossanto do Ser que faz ser tudo o
que é.
Leonardo Boff é ecoteólogo, filósofo
e escritor e escreveu A força da ternura, Mar de
Ideias, Rio de Janeiro 2012.
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