Por Leonardo Boff
O processo de planetização, colocou as religiões em contacto uma com as
outras e mostrou como podemos ser religiosos das mais diferentes formas. Esta
situação nova coloca a questão referente à figura de Jesus, crido como Cristo
e salvador universal. Como situar Jesus ao lado de outros, considerados
por seus povos também como portadores de salvação?
O Cristianismo não é uma cisterna de águas mortas. Ele possui a natureza
de um organismo vivo que cresce e se enriquece em diálogo com o diferente. Ele
tem agora a oportunidade de revelar virtualidades até hoje latentes. Deve
mostrar-se não um problema uma coisa boa.
Queremos nos concentrar na relevância do Cristo cósmico. Ele é visto
como dado que está se formando lentamente dentro do cosmos. Ele se densificou
no homem Jesus de Nazaré. Mas esgotou nele todas as suas virtualidades ou
outras figuras podem ser também expressões deste Cristo cósmico que está
inserido na criação?
Mais e mais estamos atualmente nos acostumando a entender todos os
fenômenos como emergências do universo em evolução. Assim as figuras de Jesus,
de Sidarta Gautama e de outros e outras, antes de surgirem na história humana,
estavam em gestação dentro do universo. O universo inteiro se organizou de tal
forma que criou as condições de sua formação e emergência. O que irrompeu neles
não se transformou em monopólio pessoal. Assim podemos dizer que o Jesus
histórico surge como uma expressão singular do Cristo cósmico presente no
processo da evolução. O Jesus histórico não esgotaria todas as formas possíveis
das manifestações do Cristo cósmico. Algo semelhante vale para Sidarta Gautama.
Pertence à compreensão cristã dizer: cada ser humano foi tocado pelo
Filho de Deus encarnado. O que se atribui a Jesus, por ter a nossa natureza,
pode ser atribuído,sob uma forma própria, a cada ser humano,formado ao longo de
milhões de anos de história cósmica.
Concretamente, nele e em Buda estão presentes todas as energias e os
elementos físico-químicos que se forjaram no coração das grandes estrelas
vermelhas antes de explodirem e de lançarem tais elementos pelo universo afora
como o fósforo, o cálcio, o ferro e outros .
Como o universo não possui apenas exterioridade mas também interioridade
podemos dizer que a profundidade psíquica deles vem habitada pelos movimentos
mais primitivos do inconsciente coletivo com seus arquétipos ancestrais.
Sem estas determinações eles não seriam concretos como foram.
Detenhamo-nos rapidamente na figura de Jesus pois ele é de nosso lar
espiritual.
Pierre Teilhard de Chardin (+1955) viu a inserção cósmica de Jesus,
chamado de Cristo e cunhou o termo “crístico” em distinção do “cristão”. O
“crítico”é um dado objetivo da criação em evolução. Quando chega à consciência
no homem Jesus, o “cristico” se transforma em “cristão” que é o “crístico”
conscientizado.
Em outras palavras, o Jesus histórico não esgota em si todas as
possibilidades contidas no “crístico”. O “crístico” irrompeu em Jesus mas pode
emergir também em outras figuras e se encontra na raiz de todo o ser.
Para entender tais afirmações precisamos esclarecer a palavra “Cristo”.
Não é um nome, mas um adjetivo que se atribui a uma pessoa. “Cristo” em grego
ou “Messias” em hebraico significam o “ungido”.
“Ungido” é aquela pessoa assinalada para desempenhar uma determinada
missão. O rei, os profetas, os sacerdotes eram “ungidos”, para desempenharem
suas missões específicas. Mas cada pessoa individual é também um “ungido” pois
tem o seu lugar no desígnio divino. Jesus foi chamado de “Cristo-ungido” por
causa de sua obra redentora e libertadora, realizada de forma exemplar.
O budismo conhece semelhante caminho. Em primeiro lugar existe Sidarta
Gautama, o ser histórico que viveu seiscentos anos antes de Cristo. Mediante um
processo de interiorização e ascese chegou à “iluminação” que é um mergulho
radical no Ser. Começou então a ser chamado de “Buda” que significa o “Iluminado”.
Mas essa iluminação – ser Buda – não é o monopólio dele. Ela é oferecida a
todos. Existe, portanto, a “budeidade”, aquela realidade radical que pode se
autocomunicar de muitas formas às pessoas. O Buda é uma manifestação da
“budeidade” que é a mais pura luz, a essência do Inominável. É um “ungido”.
Como transparece, o conteúdo concreto de “Cristo” e de “Buda” remete à
mesma realidade “crística”. Ambos revelam o Ser que faz ser tudo o que é.
Sidarta Gautama é uma manifestação do Cristo cósmico como o é também Jesus de
Nazaré. Ou Jesus de Nazaré é um “Iluminado” como Buda.
Expressões singulares do Cristo cósmico ou da Iluminação são figuras
como Krishna, Francisco de Assis. Mahatma Gandhi, o Papa João XXIII, Dom Helder
Câmara, Madre Teresa de Calcutá, Irmã Dulce entre tantos e tantas. Eles e elas
não esgotam as possibilidades desta sublime realidade “crística”. Ela se dá em
todos. Mas neles ganharam tal densidade que se transformaram em referências e
arquétipos orientadores para muitos.
O conhecido mestre yogui do Brasil, Hermógenes, já falecido, sem cair no
sincretismo fácil mas a partir de uma profunda experiência espiritual de
unidade com o Todo criou a seguinte fórmula como “Glória ao Uno”:
“Pedi a benção a Krishna. E o Cristo me abençoou.Orei ao Cristo. E
foi Buda que me atendeu.Chamei por Buda.E foi Krishna que me respondeu”.
Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor.
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