Por Marcelo Barros
Nos ambientes
católicos, 04 de agosto se firmou como “o dia do padre”. Parabenizamos os
padres que conhecemos e agradecemos a Deus o fato de nos dar bons padres. O
papa Francisco nos convida a aprofundarmos que tipo de padre e pastor Deus
deseja hoje para as Igrejas. A vocação
do padre é sempre a mesma e uma só, mas o modo de exercê-la tem mudado muito
através dos tempos. Hoje, precisa se renovar para que a sua missão atinja
verdadeiramente a humanidade.
Nos primeiros
séculos, a Igreja era uma confederação de Igrejas locais autônomas. Depois se
tornou instituição centralizada sob a autoridade do papa, em Roma, dos bispos
em cada diocese e dos padres nas paróquias. Esse tipo de organização expressa
um modelo de Igreja que, comumente, se chama de “Igreja Cristandade”, ou seja,
uma Igreja que faz parte da organização do poder do mundo e se torna uma
espécie de religião civil. Atualmente, na busca de se inserir no mundo como
testemunha do projeto divino para a humanidade, o modo da Igreja ser começa a mudar
e o ministério dos padres também.
O 04 de
agosto se tornou “dia dos padres”,
porque nesse dia, a Igreja faz memória de São João Maria Vianney, cura de Ars.
Ele viveu na França do século XIX e foi canonizado por Pio XI (1925). Era um
lavrador que conseguiu ser padre, apesar de não ter jeito para estudos. Foi
pároco de uma aldeia do interior e exemplo de santidade para todos. Praticava uma vida de oração e de renúncia. No seu trabalho
de padre, privilegiava o ministério de confessor. Conforme sua biografia, às
vezes, chegava a passar, 15 horas, em seguida, no confessionário e ouvia pessoas
que vinham de todo o país, atraídas por sua fama de santo e bom conselheiro. Por
isso, desde 1929, o papa o tornou padroeiro dos párocos e sacerdotes
encarregados do que, na época, se chamava “cura das almas”.
De fato, São
João Vianney foi excelente pároco para o modelo de Igreja do seu tempo. Nos
tempos atuais, continuamos a admirar a vida de oração e o exemplo do santo Cura
de Ars, mas precisamos que Deus que nos inspire um novo modo de ser padre.
Há mais de 50
anos, em 1968, reunidos na 2a conferência geral do episcopado latino-americano
em Medellín (Colômbia), os bispos católicos já afirmavam: “As grandes mudanças no mundo e na América Latina afetam
obrigatoriamente os padres no exercício do seu ministério e em suas vidas”
(Medellín 11, 1). “A consagração do
sacramento da Ordem situa o padre no mundo a serviço da humanidade. (...) Isso exige de todo sacerdote especial
solidariedade no serviço à humanidade. O padre deve colocar suas preocupações
de padre a serviço do mundo, ... em um contato inteligente com a realidade que
resulte em um modo especial de presença no mundo e não em uma segregação dele”
(Medellín 17, 1 e 3).
Naquela
conferência, os bispos afirmaram o que o Concílio já tinha dito: “Os presbíteros (padres) atuam na comunidade
como membros específico,s que compartilham com todo o Povo de Deus o mesmo
ministério e a mesma missão salvadora” (Medellín 16, 2, citando o decreto
do Concílio sobre os padres PO 6). Essa compreensão nova dos ministérios leva a
desejarmos e esperarmos um novo modo de ser padre. No Brasil, temos a graça de
contar com excelentes padres, que dedicam suas vidas ao povo e revelam
fidelidade exemplar à missão recebida. De norte a sul do país, padres mais
velhos e jovens são verdadeiras colunas de fé e testemunhas do Cristo no mundo.
Esses profetas nos animam na caminhada da vida e da fé. No entanto, por causa
do modelo ainda centralizador e monárquico da Igreja Católica, mesmo entre os
padres bons e generosos, poucos se sentem com coragem e condições de
transformar o modo de exercer o serviço pastoral e, assim, construir junto com
todo o povo de Deus, uma Igreja em saída.
Além disso, contrariamente ao modelo de Igreja
que o Concílio tentou superar, ainda há outros padres e não são poucos que foram
formados em um estilo clerical que os separa do povo e os faz se sentir acima
dos simples cristãos. Preocupam-se mais com vestes litúrgicas do que com sua
missão social e profética.
Essa
inadequação de uma Igreja pouco inserida na realidade tem provocado escândalos,
no plano moral e no nível econômico. E mesmo padres sobre os quais não pesa
acusação de tipo moral ou de irregularidade econômica, tomam posições autoritárias
e apoiam políticos contrários à causa dos pobres. Testemunham um Deus impiedoso
e cruel que nada tem a ver com o Deus da Justiça, Misericórdia e Compaixão que
Jesus nos ensinou.
Atualmente, o
papa Francisco tem denunciado que o Clericalismo é um câncer na Igreja. Se o
tumor é canceroso, tem de se extrair o órgão. Só que nesse caso, o clericalismo
não é um abuso ou desvio ocasional do sistema eclesiástico. É o próprio sistema
que divide os cristãos em duas classes: clérigos e leigos, ordenados e não
ordenados. Isso, o Concílio Vaticano II não conseguiu transformar (LG 10). Divide
os cristãos em duas categorias, como se o clericalismo fosse instituição
divina.
Hoje, a Igreja
Católica e todas as Igrejas cristãs têm urgência em voltar ao evangelho e
reafirmar para si mesmas e para o mundo que, em uma comunidade de discípulos e
discípulas de Jesus, só tem uma
ordem: a dos batizados/as em Cristo.
Dessa devem depender como serviços e funções todos os ministérios dos quais as
comunidades precisam. Esses ministérios, inclusive o dos padres, vão surgir e
se desenvolver a partir das comunidades. Demos parabéns aos padres, oremos por
eles e peçamos a Deus que renove a forma de ser dos ministérios eclesiais e os
abra a todos os filhos e filhas de Deus, batizados/as como testemunhas da
ressurreição de Jesus.
MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 44 livros publicados, dos quais “O Espírito vem pelas Águas", Ed. Rede da Paz e Loyola. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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