Por Maria Clara Lucchetti Bingemer
Há
alguns dias, sentia-se um nervosismo no ar. O medo imperava diante da
perspectiva de que apesar de todos os pesares, mesmo com o triunfo visível de
Hillary Clinton no último debate, Donald Trump poderia ganhar as eleições
presidenciais dos Estados Unidos. Apareceram novos e-mails da ex-secretária de
Estado, Trump fez novas e bombásticas declarações e...na madrugada do dia 8
para 9 de novembro, já se conhecia o resultado. Donald Trump era o novo
presidente dos EUA.
Em meio à perplexidade generalizada, a gama das
reações passava por várias modulações. Houve os que se indignavam e
levantavam suspeitas de fraude; os que foram para as ruas gritar, reclamar e
declarar que não aceitavam a sinistra figura de Trump como seu president;
outros utilizavam as estatísticas para mostrar que, na verdade, a senadora
Clinton ganhara – embora por mínima diferença - no voto popular. A
imensa abstenção de quase 50% do eleitorado estadunidense terminara por dar a
vitória ao candidato republicano.
Nada disso adianta agora. E o grande irmão do
Norte ainda está digerindo lentamente a imensa tragédia que lhe aconteceu: a
vitória de um candidato despreparado, conservador, sectário e que declara, sem
pudor nem vergonha, que pretende deportar oito milhões de migrantes, construir um
muro entre o México e os EUA e mandar a conta para os mexicanos etc.
De nada serve chorar sobre leite derramado. A
indubitável democracia estadunidense encarregou-se de dar início aos rituais de
transição. O presidente Obama já recebeu seu sucessor na Casa Branca, de
forma a assegurar que os princípios democráticos não sejam agredidos e os
resultados das eleições respeitados.
Mas o mundo treme de medo. O que acontece nos
Estados Unidos repercute em todas as latitudes. E enquanto alguns temem sérios
revezes em seus sistemas econômicos, outros preveem novos surtos de violência,
invasões e bombardeios por parte de um país que desde a Segunda Guerra Mundial
não passou um só dia sem envolvimento em alguma guerra.
Trump triunfou apoiado sobre o descontentamento de
uma classe média branca revoltada por pagar impostos altos e temerosa de ver os
imigrantes latinos crescerem além do previsto. Ocupou o espaço daqueles
que alimentam sentimentos nostálgicos em relação ao passado do país com maior
prosperidade e sem tantas minorias pretendendo ascender e tomar parte nos
privilégios que deveriam pertencer apenas a alguns.
O slogan de campanha de Trump, “Make America great
again” (Fazer a America grande novamente), é bastante expressivo dessa
mentalidade que deseja voltar aos anos dourados, quando a riqueza estadunidense
era exposta na cara de um mundo que, maravilhado, aplaudia, invejava e imitava.
Hoje, maior consciência da responsabilidade do
Norte em relação ao Sul introduziu um diferencial nesta hegemônica legitimação
de uma prosperidade considerada de direito por ser de fato. Os movimentos
sociais dentro do próprio país trouxeram para a frente da cena os
afrodescendentes, os chicanos e os latinos de todas as proveniências. O
futuro da grande nação do Norte passou a vislumbrar-se mestiço e marrom, tendo
as peles brancas e leitosas, que se tornam vermelhas como lagostas ao menor
raio de sol, passado a escassear no panorama.
Por tudo isso e ainda mais, Donald Trump foi eleito
por quatro anos e talvez por oito, quem sabe. O fato é que agora é preciso
lidar com a realidade de tê-lo como homem mais poderoso do mundo e não baixar
os braços nem desistir da luta. Pois, pior que sua eleição é o desânimo e
o desalento que pode povoar corações e mentes, desmotivando sonhos e lutas
importantes não só para o país como para muitos outros segmentos da humanidade.
Ressalte-se aqui como elemento de beleza positiva e
elegante no momento pós-eleitoral o discurso sincero, impecável e de uma
dignidade a toda prova de Hillary Clinton. Nem uma lamentação, nem uma palavra
mais ferina, nem uma nostalgia inútil. Só dignidade, altivez e
disposição, encorajando os correligionários a continuarem lutando pelo que
acreditam. É bom ver uma mulher fazer bonito. Já que não foi possível
tê-la na Casa Branca, pelo menos que se possa contar com ela na oposição.
Porém, o comentário mais sério e pertinente veio
sem dúvida do Papa Francisco. Na verdade, a sentença do Papa sobre o
candidato vitorioso já havia sido pronunciada antes. Referindo-se à declaração
de Trump de que pretendia construir um muro na fronteira do México com os EUA,
sua Santidade declarou: “Quem constrói
muros não é cristão”.E, após a eleição, disse ao jornal
italiano La Republica: "Não faço
julgamentos sobre pessoas e homens políticos, quero apenas entender que
sofrimento o comportamento deles causa aos pobres e aos excluídos".
Maria Clara Lucchetti Bingemer é professora
do Departamento de Teologia da PUC-RJ
A teóloga é autora de “Simone Weil – Testemunha da paixão e
da compaixão"(Edusc)
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