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segunda-feira, 21 de novembro de 2016

A VITÓRIA DE TRUMP E A PERPLEXIDADE GENERALIZADA

Por Maria Clara Lucchetti Bingemer


Há alguns dias, sentia-se um nervosismo no ar.  O medo imperava diante da perspectiva de que apesar de todos os pesares, mesmo com o triunfo visível de Hillary Clinton no último debate, Donald Trump poderia ganhar as eleições presidenciais dos Estados Unidos. Apareceram novos e-mails da ex-secretária de Estado, Trump fez novas e bombásticas declarações e...na madrugada do dia 8 para 9 de novembro, já se conhecia o resultado.  Donald Trump era o novo presidente dos EUA.

Em meio à perplexidade generalizada, a gama das reações passava por várias modulações.  Houve os que se indignavam e levantavam suspeitas de fraude; os que foram para as ruas gritar, reclamar e declarar que não aceitavam a sinistra figura de Trump como seu president; outros utilizavam as estatísticas para mostrar que, na verdade, a senadora Clinton ganhara – embora por mínima diferença -  no voto popular.  A imensa abstenção de quase 50% do eleitorado estadunidense terminara por dar a vitória ao candidato republicano.

Nada disso adianta agora.  E o grande irmão do Norte ainda está digerindo lentamente a imensa tragédia que lhe aconteceu: a vitória de um candidato despreparado, conservador, sectário e que declara, sem pudor nem vergonha, que pretende deportar oito milhões de migrantes, construir um muro entre o México e os EUA e mandar a conta para os mexicanos etc.

De nada serve chorar sobre leite derramado.  A indubitável democracia estadunidense encarregou-se de dar início aos rituais de transição.  O presidente Obama já recebeu seu sucessor na Casa Branca, de forma a assegurar que os princípios democráticos não sejam agredidos e os resultados das eleições respeitados.

Mas o mundo treme de medo.  O que acontece nos Estados Unidos repercute em todas as latitudes. E enquanto alguns temem sérios revezes em seus sistemas econômicos, outros preveem novos surtos de violência, invasões e bombardeios por parte de um país que desde a Segunda Guerra Mundial não passou um só dia sem envolvimento em alguma guerra.

Trump triunfou apoiado sobre o descontentamento de uma classe média branca revoltada por pagar impostos altos e temerosa de ver os imigrantes latinos crescerem além do previsto.  Ocupou o espaço daqueles que alimentam sentimentos nostálgicos em relação ao passado do país com maior prosperidade e sem tantas minorias pretendendo ascender e tomar parte nos privilégios que deveriam pertencer apenas a alguns.

O slogan de campanha de Trump, “Make America great again” (Fazer a America grande novamente), é bastante expressivo dessa mentalidade que deseja voltar aos anos dourados, quando a riqueza estadunidense era exposta na cara de um mundo que, maravilhado, aplaudia, invejava e imitava.

Hoje, maior consciência da responsabilidade do Norte em relação ao Sul introduziu um diferencial nesta hegemônica legitimação de uma prosperidade considerada de direito por ser de fato.  Os movimentos sociais dentro do próprio país trouxeram para a frente da cena os afrodescendentes, os chicanos e os latinos de todas as proveniências.  O futuro da grande nação do Norte passou a vislumbrar-se mestiço e marrom, tendo as peles brancas e leitosas, que se tornam vermelhas como lagostas ao menor raio de sol, passado a escassear no panorama.

Por tudo isso e ainda mais, Donald Trump foi eleito por quatro anos e talvez por oito, quem sabe. O fato é que agora é preciso lidar com a realidade de tê-lo como homem mais poderoso do mundo e não baixar os braços nem desistir da luta.  Pois, pior que sua eleição é o desânimo e o desalento que pode povoar corações e mentes, desmotivando sonhos e lutas importantes não só para o país como para muitos outros segmentos da humanidade.

Ressalte-se aqui como elemento de beleza positiva e elegante no momento pós-eleitoral o discurso sincero, impecável e de uma dignidade a toda prova de Hillary Clinton. Nem uma lamentação, nem uma palavra mais ferina, nem uma nostalgia inútil.  Só dignidade, altivez e disposição, encorajando os correligionários a continuarem lutando pelo que acreditam.  É bom ver uma mulher fazer bonito.  Já que não foi possível tê-la na Casa Branca, pelo menos que se possa contar com ela na oposição.

Porém, o comentário mais sério e pertinente veio sem dúvida do Papa Francisco.  Na verdade, a sentença do Papa sobre o candidato vitorioso já havia sido pronunciada antes.  Referindo-se à declaração de Trump de que pretendia construir um muro na fronteira do México com os EUA, sua Santidade declarou: “Quem constrói muros não é cristão”.E, após a eleição, disse ao jornal italiano La Republica: "Não faço julgamentos sobre pessoas e homens políticos, quero apenas entender que sofrimento o comportamento deles causa aos pobres e aos excluídos".

Não parece ser mera coincidência que o novo superior geral da Companhia de Jesus – o venezuelano Arturo Sosa – eleito na Congregação Geral 36 que agora se encerra, tenha centrado seu discurso final sobre a necessidade de “olhar o mundo com o olhar dos pobres”. Em vez de  permanecermos imobilizados em perplexidade inócua ou queixarmo-nos indefinidamente com a eleição de Trump, observemos seu governo com os olhos dos pobres. Aí, sim, poderemos avaliá-lo com mais propriedade e agir segundo os meios e as possibilidades que temos.  Na verdade, esta é uma interpelação que serve não só para as eleições estadunidenses, mas para todo e qualquer panorama político que se descortina diante de nossos olhos hoje.

Maria Clara Lucchetti Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-RJ A teóloga é autora de “Simone Weil – Testemunha da paixão e da compaixão"(Edusc)


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