Por Juracy
Andrade
Não podia faltar
esta. Dia 31 passado, o papa Francisco dirigiu-se à Suécia, a convite da
Federação Luterana Mundial, para o início das comemorações dos 500 anos da
Reforma de Martinho Lutero. Atitudes ecumênicas dos dois lados. Apesar de
luteranos e católicos romanos dialogarem há algum tempo sobre o que os une e o
que os separa, nenhum outro bispo de Roma se aproximara pessoalmente de um
diálogo. Mas, na manhã do dia 31 de outubro, Francisco partiu do aeroporto
romano de Fiumicino para uma comemoração ecumênica luterano-católica em Lund,
na Suécia. A celebração central da Reforma será nos dias 10 a 16 de maio de
2017 na capital da Namíbia, Windhoek.
Se não fosse a
intransigência do papado, a desunião não teria ocorrido e sim a reforma da
Igreja Romana, envolvida em escândalos de venda de indulgências e afastamento
dos ensinos do Evangelho. Já escrevi neste O
Porta-Voz sobre isso, baseando-me na excelente obra Martinho Lutero – Obras selecionadas vol 2, editada pela Comissão
Interluterana de Literatura de São Leopoldo (RS).
A propósito dos
500 anos da Reforma de Martinho Lutero, faço aqui um breve resumo dos
acontecimentos daquele início do século 16. Em um momento em que muitas
mudanças políticas, econômicas e sociais aconteciam na velha Europa, o poder e
influência da Igreja começavam a ser contestados. Enquanto o Renascimento
avançava e o pensamento se difundia mais rapidamente com a invenção da
imprensa, o papado se apegava cada vez mais a velhos e inconcebíveis privilégios.
Era o tempo das grandes navegações e o que se convencionou chamar
eurocentricamente de “descobrimentos”.
Como vimos,
Lutero não tinha nenhuma intenção de refundar a Igreja, simplesmente de
reformá-la. Implicitamente o próprio papado reconheceu essa necessidade de
reforma ao convocar o Concílio de Trento. O reformador condenava a prática de
venda de indulgências: você pingava dinheiro nos cofres papais e com isso
garantia o Reino dos Céus. Daí se vê como muitas das vertentes atuais que se
autointitulam evangélicas e são apenas caça-níqueis se afastaram do espírito da
Reforma. Em vez de amor e fraternidade, um dos exemplares desses “evangélicos”,
Marcelo Crivella (recém-eleito prefeito do Rio), que se autointitula bispo,
atribui à Igreja Romana ações demoníacas.
Lutero condenava
também a supercentralização de poderes nas mãos dos papas. O ano de 1517 é um
marco decisivo, quando ele pregou, no dia 31 de outubro, à porta da igreja do
Castelo de Wittenberg, suas famosas 95 teses questionando poderes papais e
práticas religiosas. Como as comunicações eram lentas na época, o prepotente papa
Leão 10º levou três anos para exigir uma retratação do reformador. Ele não o
fez e ainda queimou o documento papal na praça. Como Leão não era nenhum
Francisco, excomungou-o e o declarou herege. Uma de suas primeiras preocupações
foi iniciar a tradução da Bíblia para a língua alemã tornando-a acessível ao
povão.
Podemos resumir
a doutrina luterana em alguns pontos, como salvação pela fé e não por obras
(ponto em que luteranos e católicos romanos já começam a se entender); verdade
somente na Bíblia; batismo e eucaristia são os únicos sacramentos; proibição do
uso de imagens nas igrejas; uso do alemão nos cultos religiosos; fim do
celibato dos padres; livre interpretação da Bíblia; extinção das ordens religiosas,
entre outros. O reformador pretendia livrar a Igreja da política, mas terminou
se aliando a príncipes alemães, o que desembocou nas guerras motivadas por
religião em grande parte da Europa. A livre interpretação da Bíblia por cada
fiel também desembocou em algo esdrúxulo como certas igrejas que se dizem
“evangélicas” e têm pastores e até “bispos” que se agarram a alguns trechos
avulsos das Sagradas Escrituras para justificar suas atitudes com uma livre
interpretação.
Concluo dizendo
que ver um papa comemorar a Reforma junto com luteranos é realmente uma reforma
e tanto.
Juracy Andrade é jornalista com formação em filosofia e teologia
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