Por Maria
Clara Lucchetti Bingemer
Oikos é uma
palavra grega que pode ser traduzida como “casa”, “ambiente habitado” ou
“família”. Na Grécia Antiga, oikos era o nome dado à unidade básica
de uma sociedade, formada pelo chefe, representado pelo homem mais velho, sua
família (filhos e esposa) e todos os que conviviam em um mesmo ambiente
doméstico.
“Ecumenismo” provém dessa
bela palavra grega: oikos. Mas aqui a casa é o mundo. E
ecumenismo deseja alcançar exatamente isso: toda a terra habitada,
buscando criar pontes e não barreiras, estender a unidade e superar
qualquer divisão.
Em termos teológicos,
ecumenismo é a busca da unidade entre todas as igrejas cristãs. É um processo
de entendimento que reconhece e respeita a diversidade entre as igrejas.
Inicialmente, se refere apenas ao mundo cristão. Na prática, porém, o movimento
compreende diversas religiões inclusive aquelas não cristãs.
A Igreja Católica e as
igrejas protestantes começaram a dar passos concretos e importantes na direção
de uma vivência e uma prática ecumênica a partir do Concilio Vaticano II, nos
anos 60. Desde então, o processo de busca da unidade tem crescido, ainda que
muitas vezes tenha tido que superar percalços e dificuldades.
Em 2017, celebram-se os
500 anos da Reforma Protestante. O monge agostiniano Lutero tinha duras
críticas à Igreja e recebeu adesão de muitos que passaram a não mais
considerar-se sob a autoridade do Papa. Criou-se um cisma, uma divisão
entre os cristãos, que só começou a ser superada cinco séculos depois, com o
Vaticano II.
Por tudo isso, pela triste
história de divisão entre os seguidores de Jesus Cristo, o deslocamento do Papa
até Lund, a fim de participar da comemoração ecumênica dos 500 anos da Reforma
organizada pela Federação Luterana Mundial e pelo Pontifício Conselho para a
promoção da unidade dos cristãos, é de imensa importância.
Antes de viajar a Lund o
Papa declarou, em entrevistas, que a Reforma de Lutero aconteceu em um momento
em que havia realmente coisas que necessitavam urgentemente ser reformadas na
Igreja. Porém, devido a questões politicas, tornou-se, segundo o Papa, “um
estado de separação e não um processo de reforma para toda a Igreja”. Além
disso, o movimento de Lutero devolveu a Bíblia às mãos do povo. E essa
devolução foi retomada pelo Concilio Vaticano II, oficializando o acesso dos
católicos à Escritura, à Palavra de Deus. O endurecimento das duas partes
gerou a divisão que até hoje impera mas que todos – católicos e protestantes –
desejam ver superada.
Francisco não pediu nem
exigiu que viessem a ele. Deslocou-se, pôs-se em movimento, foi ate
lá. Seu desejo era aproximar-se mais daqueles que chamou “meus irmãos e
minhas irmãs”. Convicto de que a distância faz adoecer, enquanto a proximidade
cura e revitaliza, saiu dos muros do Vaticano para ir ao encontro daqueles que,
na Suécia, celebravam o início do movimento que deu origem a suas
Igrejas. Dispôs-se a entrar em terreno alheio como hóspede, esperando
acolhida.
Foi acolhido
fraternalmente. Celebrou com os luteranos e falou intensamente em favor
da superação da divisão e da necessidade de buscar a unidade. Lembrou da
necessidade de reconhecer os erros, pedir perdão e investir no que une e não no
que separa. E insistiu em que o ecumenismo tem que dar-se na prática. É
preciso rezar juntos, celebrar juntos, trabalhar juntos e não apenas permanecer
na teoria, esmiuçando questões e divergências doutrinais.
O documento, assinado em
conjunto pelo Papa e pelo presidente da Federação Luterana Mundial, afirma: “Pedimos
a Deus inspiração, ânimo e força para podermos continuar juntos no serviço,
defendendo a dignidade e os direitos humanos, especialmente dos pobres,
trabalhando pela justiça e rejeitando todas as formas de violência”. E
repudia "energicamente todo ódio e violência, passado e
presente, especialmente a cometida em nome da religião".
Tanto católicos como
luteranos desejam ardentemente a unidade, como afirma a declaração conjunta: “Desejamos
ardentemente que esta ferida no Corpo de Cristo seja curada. Este é o objetivo
dos nossos esforços ecumênicos, que desejamos levar adiante, inclusive
renovando o nosso empenho no diálogo teológico”. O documento consagra
assim o “compromisso de passar do conflito à comunhão”.
A comunhão é sempre um
desafio, pois deve acontecer em meio à vida que é dinâmica, se move e não se
detém. Seus protagonistas são pessoas vivas, seres humanos com desejos,
ambiguidades, pecados e erros. Porém, se houver disposição de encontro, de
proximidade, de escuta e acolhimento, a unidade será possível e virá. O
gesto do Papa Francisco comprova isso. A acolhida que lhe deram
também. A declaração conjunta que se dirige a toda a oikumene é
prova de que é preciso ter fé e esperança, porque todos receberam o mesmo
batismo e professam a mesma fé. Como declarou o Papa, há um ecumenismo de
sangue. Cristãos derramaram juntos seu sangue pela fé e a caridade de sua
pertença a Jesus Cristo. Aproximar-se cada vez mais e superar as divisões
é ser fiéis a esse ecumenismo de sangue que nos faz sermos um só.
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