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segunda-feira, 7 de novembro de 2016

DO CONFLITO À COMUNHÃO


  Por Maria Clara Lucchetti Bingemer 



 Oikos é uma palavra grega que pode ser traduzida como “casa”, “ambiente habitado” ou “família”. Na Grécia Antiga, oikos era o nome dado à unidade básica de uma sociedade, formada pelo chefe, representado pelo homem mais velho, sua família (filhos e esposa) e todos os que conviviam em um mesmo ambiente doméstico.
“Ecumenismo” provém dessa bela palavra grega:  oikos.  Mas aqui a casa é o mundo.  E ecumenismo deseja alcançar exatamente isso: toda a terra habitada,  buscando criar pontes e não barreiras,  estender a unidade e superar qualquer divisão.
Em termos teológicos, ecumenismo é a busca da unidade entre todas as igrejas cristãs. É um processo de entendimento que reconhece e respeita a diversidade entre as igrejas. Inicialmente, se refere apenas ao mundo cristão. Na prática, porém, o movimento compreende diversas religiões inclusive aquelas não cristãs.

A Igreja Católica e as igrejas protestantes começaram a dar passos concretos e importantes na direção de uma vivência e uma prática ecumênica a partir do Concilio Vaticano II, nos anos 60. Desde então, o processo de busca da unidade tem crescido, ainda que muitas vezes tenha tido que superar percalços e dificuldades.

Em 2017, celebram-se os 500 anos da Reforma Protestante.  O monge agostiniano Lutero tinha duras críticas à Igreja e recebeu adesão de muitos que passaram a não mais considerar-se sob a autoridade do Papa.  Criou-se um cisma, uma divisão entre os cristãos, que só começou a ser superada cinco séculos depois, com o Vaticano II.

Por tudo isso, pela triste história de divisão entre os seguidores de Jesus Cristo, o deslocamento do Papa até Lund, a fim de participar da comemoração ecumênica dos 500 anos da Reforma organizada pela Federação Luterana Mundial e pelo Pontifício Conselho para a promoção da unidade dos cristãos, é de imensa importância. 

Antes de viajar a Lund o Papa declarou, em entrevistas, que a Reforma de Lutero aconteceu em um momento em que havia realmente coisas que necessitavam urgentemente ser reformadas na Igreja. Porém, devido a questões politicas, tornou-se, segundo o Papa, “um estado de separação e não um processo de reforma para toda a Igreja”.  Além disso, o movimento de Lutero devolveu a Bíblia às mãos do povo.  E essa devolução foi retomada pelo Concilio Vaticano II, oficializando o acesso dos católicos à Escritura, à Palavra de Deus.  O endurecimento das duas partes gerou a divisão que até hoje impera mas que todos – católicos e protestantes – desejam ver superada.

Francisco não pediu nem exigiu que viessem a ele.  Deslocou-se, pôs-se em movimento, foi ate lá.  Seu desejo era aproximar-se mais daqueles que chamou “meus irmãos e minhas irmãs”. Convicto de que a distância faz adoecer, enquanto a proximidade cura e revitaliza, saiu dos muros do Vaticano para ir ao encontro daqueles que, na Suécia, celebravam o início do movimento que deu origem a suas Igrejas.  Dispôs-se a entrar em terreno alheio como hóspede, esperando acolhida.

Foi acolhido fraternalmente.  Celebrou com os luteranos e falou intensamente em favor da superação da divisão e da necessidade de buscar a unidade.  Lembrou da necessidade de reconhecer os erros, pedir perdão e investir no que une e não no que separa. E insistiu em que o ecumenismo tem que dar-se na prática.  É preciso rezar juntos, celebrar juntos, trabalhar juntos e não apenas permanecer na teoria, esmiuçando questões e divergências doutrinais.
O documento, assinado em conjunto pelo Papa e pelo presidente da Federação Luterana Mundial, afirma: “Pedimos a Deus inspiração, ânimo e força para podermos continuar juntos no serviço, defendendo a dignidade e os direitos humanos, especialmente dos pobres, trabalhando pela justiça e rejeitando todas as formas de violência”.  E repudia "energicamente todo  ódio e violência, passado e presente, especialmente a cometida em nome da religião". 

Tanto católicos como luteranos desejam ardentemente a unidade, como afirma a declaração conjunta: “Desejamos ardentemente que esta ferida no Corpo de Cristo seja curada. Este é o objetivo dos nossos esforços ecumênicos, que desejamos levar adiante, inclusive renovando o nosso empenho no diálogo teológico”.  O documento consagra assim o “compromisso de passar do conflito à comunhão”.
A comunhão é sempre um desafio, pois deve acontecer em meio à vida que é dinâmica, se move e não se detém.  Seus protagonistas são pessoas vivas, seres humanos com desejos, ambiguidades, pecados e erros. Porém, se houver disposição de encontro, de proximidade, de escuta e acolhimento, a unidade será possível e virá.  O gesto do Papa Francisco comprova isso.  A acolhida que lhe deram também.  A declaração conjunta que se dirige a toda a oikumene é prova de que é preciso ter fé e esperança, porque todos receberam o mesmo batismo e professam a mesma fé.  Como declarou o Papa, há um ecumenismo de sangue.  Cristãos derramaram juntos seu sangue pela fé e a caridade de sua pertença a Jesus Cristo.  Aproximar-se cada vez mais e superar as divisões é ser fiéis a esse ecumenismo de sangue que nos faz sermos um só.

Maria Clara Lucchetti Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-RJ. A teóloga é autora de “Simone Weil – Testemunha da paixão e da compaixão" (Edusc) 
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