Leonardo Boff diz que o
Papa Francisco é mais que um nome, é um projeto de igreja. Um dos expoentes da
Teologia da Libertação, Boff critica o impeachment da ex-presidente Dilma e
fala sobre temas como o casamento gay.
Confira a entrevista feita pelo jornalista Tércio Amaral e publicada em 05/11/2016
.
Um dos mais importante
teólogos do mundo, o brasileiro Leonardo Boff, enxerga, nas entrelinhas, uma
ponte entre a Teologia da Libertação, do qual faz parte como expoente, com o
atual papa Francisco. Na avaliação dele, assim como a Teologia da Libertação,
que defendia uma igreja com atenção especial aos pobres e excluídos, o papa
argentino segue na contramão da “voracidade” do mundo capitalista. “Francisco é
mais que um nome. É um projeto de Igreja pobre que vai aonde os pobres estão e
se entende não como um castelo cheio de muralhas, mas como um hospital de
campanha que procura atender a todos”, defende.
Em entrevista ao Diário, Boff fala de uma teoria contemporânea onde as religiões podem contribuir com a política. Ao se referir a inércia da Igreja Católica sobre o tema na atualidade, diz que a fé possui uma responsabilidade política na defesa dos direitos violados de minorias, além do combate à corrupção. Porém, critica a atuação das bancadas evangélicas. “Elas se organizam ao redor de interesses corporativos e religiosos e pouco pensam no Brasil. Por isso, praticam uma política de exclusão e de fundamentalismo. Os governos devem aplicar a Constituição e enquadrar estas bancadas no espírito democrático e pluralista, pois possuem um viés antidemocrático e autoritário”, avalia. Na entrevista, o teólogo ainda opina sobre o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), do qual chama de “golpe”, a aceitação de temas como casamento gay e uso de preservativos para religiosos e o processo de canonização do arcebispo de Olinda e Recife dom Helder Camara (1909-1999), de quem nutre uma admiração pessoal. “Eu sou a favor de sua canonização, o mais rápido possível, pois sua figura e mensagem são urgentes para o mundo cada vez mais cruel e sem piedade”.
Em entrevista ao Diário, Boff fala de uma teoria contemporânea onde as religiões podem contribuir com a política. Ao se referir a inércia da Igreja Católica sobre o tema na atualidade, diz que a fé possui uma responsabilidade política na defesa dos direitos violados de minorias, além do combate à corrupção. Porém, critica a atuação das bancadas evangélicas. “Elas se organizam ao redor de interesses corporativos e religiosos e pouco pensam no Brasil. Por isso, praticam uma política de exclusão e de fundamentalismo. Os governos devem aplicar a Constituição e enquadrar estas bancadas no espírito democrático e pluralista, pois possuem um viés antidemocrático e autoritário”, avalia. Na entrevista, o teólogo ainda opina sobre o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), do qual chama de “golpe”, a aceitação de temas como casamento gay e uso de preservativos para religiosos e o processo de canonização do arcebispo de Olinda e Recife dom Helder Camara (1909-1999), de quem nutre uma admiração pessoal. “Eu sou a favor de sua canonização, o mais rápido possível, pois sua figura e mensagem são urgentes para o mundo cada vez mais cruel e sem piedade”.
Na sua avaliação, qual o maior legado, hoje, da Teologia da Libertação?
O maior legado da Teologia da Libertação foi o de ter dado centralidade ao pobre. Este tem muitos rostos: são os operários explorados, são as mulheres submetidas aos homens ainda sob o patriarcalismo, são os afrodescendentes discriminados e os indígenas desprezados e a própria Mãe Terra, o grande pobre, cuja vitalidade está sendo agredida. Por isso o eixo principal da Teologia da Libertação é a opção pelos pobres contra a pobreza e a favor da justiça social e da libertação concreta e histórica dos oprimidos.
Qual a sua avaliação do papado do argentino Francisco?
Minha avaliação é a melhor possível. Francisco é mais que um nome. É um projeto de Igreja pobre que vai aonde os pobres estão e se entende não como um castelo cheio de muralhas mas como um hospital de campanha que procura atender a todos. É também um nome de um outro projeto de mundo, onde não haja a voracidade capitalista, a adoração pelo dinheiro e o consumismo desenfreado. Prega o diálogo, a convivência dos diferentes e a renúncia a todo tipo de violência. Ele talvez seja a maior liderança mundial, seja religiosa seja política, num mundo sem líderes e de governantes medíocres, formados nas escolas de administração, treinados a administrar capitais e não a cuidar das pessoas.
O Sr. tem alguma posição a respeito do governo do presidente Michel Temer? Acredita que nós (o Brasil) estamos dando uma guinada à direita?
O que ocorreu foi um golpe de classe via parlamento. Não havia nenhum crime realmente consistente para afastá-la (Dilma Rousseff) do poder. Mas as classes proprietárias nunca toleraram alguém vindo do andar de baixo que chegasse a ser presidente e mudasse o rumo da história do Brasil, incluindo cerca de 40 milhões e fazendo benefícios aos pobres que nunca foram contemplados na história política do Brasil. Para continuar a acumular, os 71.440 super-ricos que controlam as finanças e emprestam, com juros escorchantes, dinheiro ao governo para fechar as suas contas, estão atrás do golpe. Acresce ainda a ajuda de instituições norte-americanas que se fizeram presentes para desestabilizar o governo. Os EUA não toleram a 7º economia do mundo, situada no Atlântico Sul e com grandes riquezas, essenciais para o futuro próximo da economia, ligada aos bens e serviços naturais (grãos, sementes, água, minérios, florestas e terras) seguisse um caminho próprio e altivo. Tinha que ser enquadrado segundo o lema básico do Pentágono: "um só mundo e um só império" e "controlar todos os espaços". Esta dimensão geopolítica não pode ser esquecida e foi bem analisada pelo nosso maior analista de política internacional Moniz Bandeira. Temer é apenas a ponta de lança, nem a mais importante, desta investida golpista das classes ricas, articuladas com as grandes corporações, estas sim, que comandam os destinos da humanidade.
No campo da esquerda, o Sr. acredita que tenha alguma alternativa forte para as eleições presidenciais de 2018? Ou Lula ainda é o grande nome da esquerda?
Há um domínio total da ordem capitalista no mundo inteiro. Mas ela está numa profunda crise sistêmica e não possui em seu arsenal os instrumentos e meios para sair da crise. Está pois em decadência. Mais dia menos dia, haverá uma crise muito mais severa do que aquela de 2007/2008 segundo grandes analistas, o melhor deles o economista Rubini que previu a crise anterior. Aí haverá, a meu ver, uma grande convulsão mundial, pois o próprio centro do poder será profundamente afetado. Há até o risco de um conflito nuclear com armas menores mas que produzem grande radiação, tornando regiões inteiras inabitáveis como em Chenobil e Fukushima. Não sou eu que sou profeta de mau agouro. Mas denunciam-no nomes respeitáveis como Noam Chomsky, Muniz Sodré e o próprio Papa Francisco. A esquerda atual, em nenhum país do mundo, possui força suficiente para apresentar uma alternativa. Creio que a crise mundial será de tal monta que a humanidade, ao dar-se conta de que pode se auto-destruir, crie uma governança global para resolver os problemas globais. Ai sim haveria uma democracia planetária que chance de salvar a vida no planeta, pois está ameaçada. Vale a frase de Einstein: "o pensamento que criou a crise não pode ser o mesmo que nos tire dela; temos que mudar ou então pereceremos". Não é outra a mensagem do Papa Francisco em sua encíclica dirigida a toda a humanidade "Como cuidar da Casa Comum". É muito comum, hoje, a eleição de parlamentares evangélicos, que engrossam as chamadas "bancadas conservadoras".
Na avaliação do Sr., este tipo de representação política faz bem à sociedade e às respectivas igrejas que esses parlamentares representam?
Estas igrejas não respeitam dois quesitos constitucionais: o primeiro é que o Estado é laico e pluralista. Então nenhuma igreja pode se impor e tornar-se aquilo que, por sua natureza não é, um partido. Ela é uma religião que tem o seu lugar dentro do campo democrático, respeitando outras manifestações religiosas. O segundo é que o Estado não pode aceitar normas, leis e medidas derivadas de alguma religião. Isto destruiria o primeiro quesito e faria injustiça a todas as demais igrejas e religiões. A bancada evangélica se organiza ao redor de interesses corporativos e religiosos e pouco pensam no Brasil. Por isso, praticam uma política de exclusão e de fundamentalismo. Os governos devem aplicar a Constituição e enquadrar estas bancadas no espírito democrático e pluralista, pois possuem um viés antidemocratico e autoritário. A Igreja Católica esteve mais presente na política brasileira (sobretudo até o fim do regime militar, em 1985).
O Sr. acredita que falta uma mobilização maior em relação à política brasileira? Quais os motivos dessa "ausência"?
A Igreja Católica, a exceção de alguns bispos, se calou diante do desrespeito à Constituição. Ela é predominantemente, nos dias atuais, desatualizada e na contramão do Papa Francisco. Ela é pela ordem, não se importando muito sobre o caráter desta ordem desde que respeite eu espaço religioso. No fundo prefere governos fortes e autoritários porque ela mesma, em sua estrutura interna e piramidal, é autoritária, não alimentando democracia participativa e não vendo com bons olhos a mobilização dos leigos seja no interior de seu espaço eclesial, seja na política. Acha, sem razão, que é politizar a fé. A fé, na verdade, possui uma responsabilidade política na medida em que defende os direitos continuamente violados de indígenas, afros, mulheres e especialmente de crianças, combate à corrupção e promove as virtudes sociais da solidariedade, da convivência pacífica e da tolerância. Enquanto a repressão não chega a sua pele, dificilmente se move, o que é triste, porque deixa os mais vulneráveis sem defesa, quando ela deveria ser a voz dos que não tem voz nem vez. Como nos faz falta um Dom Helder Câmara e um Cardeal Paulo Evaristo que se enfrentavam contra os produtores de opressões e injustiças estando sempre do lado dos mais fracos e oprimidos.
Para o senhor, existem limites entre religião e política?
Há e não há limites. Quando se trata de Política em maiúsculo, como a busca comum do bem comum, a defesa dos direitos, especialmente dos mais fracos, o combate à corrupção e a busca de mais justiça social, melhores salários, educação e saúde, aí a fé deve mostrar sua opção por esta dimensão. Ela não faz politicamente política. Ela faz eticamente política. Quando se trata de política em minúscula, que é a política partidária, a fé não deve se imiscuir e respeitar as várias opções. A fé tem a ver com o todo da vida e não apenas com a parte que são os partidos. É contra a natureza da fé e não é democrático usar da fé para ditar normas, demonizar outros que não pertencem a sua denominação e dividir a sociedade. Isso vem ocorrendo com algumas expressões das igrejas evangélicas que fazem proselitismo e especialmente perseguem as religiões afro-brasileiras e também outras igrejas cristãs.
O senhor acredita na mudança de pensamento da igreja para temas como casamento gay e uso de preservativos?
Creio que a Igreja, quero dizer, o corpo de direção, a hierarquia e os Papas vão aprendendo lentamente a não se meter demais na vida privada das pessoas, o que implica pressionar a consciência, que é o espaço mais sagrado que existe nas pessoas e que as coloca imediatamente diante de Deus. Ai ninguém deve se meter, no máximo sugerir e aconselhar, mas no fundo, sempre respeitar, porque o próprio Deus respeita. A mensagem a ser anunciada é a de cultivar o amor, o respeito, a tolerância e a de acolher a responsabilidade da consciência de cada um. A Igreja deve significar alguma coisa boa para as pessoas e não um pesadelo, um super-ego castrador e controlador das decisões que de forma livre e adulta as pessoas tomarem. Existe um processo em curso de beatificação e canonização do acerbispo de Olinda e Recife d. Helder Camara.
O senhor acredita que essa seja a melhor forma de homenagear dom Helder?
Ele é tido por santo porque era santo, o santo dos pobres e dos esquecidos. A canonização significa universalizar para toda a Igreja e para o mundo a relevância de sua figura e de sua causa, que, no fundo, era a causa de Jesus. Eu sou a favor de sua canonização, o mais rápido possível, pois sua figura e mensagem são urgentes para o mundo cada vez mais cruel e sem piedade. Ele era terno e fraterno para com todos, um irmão universal.
Leonardo Boff escreveu com M.Hathaway O Tao da Libertação premiado em 2010 nos USA com a medalha de ouro em nova ciência e cosmologia.
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