Por Marcelo Barros
Em toda a
América Latina, as pessoas de boa vontade e que amam a paz e a justiça se
perguntam o que está acontecendo. Durante mais de uma década, a América Latina
parecia menos injusta e menos desigual. Muitos países tinham governos que,
mesmo sem ser socialistas, tomavam como prioridade a justiça e a igualdade
social. Para isso, era importante libertar nossos países do colonialismo
externo que nos aprisionava aos impérios do mundo e também diminuir as
desigualdades sociais internas. Na Bolívia, Equador e Venezuela, novas
constituições, discutidas e aprovadas por todas as camadas da sociedade, garantem
os direitos dos trabalhadores pobres,
dos índios, dos lavradores e dos moradores de periferia. Em outros países, como
Argentina, Uruguai, Paraguai e mesmo o Brasil, para conseguir governar, os
setores mais progressistas tiveram de fazer acordos nem sempre fáceis com a
elite. Não propuseram nenhuma reforma estrutural. No entanto, sob esses
governos o povo também conseguiu algumas conquistas. A ONU reconheceu oficialmente
que, na primeira década desse século, pela primeira vez, a pobreza diminuiu em
toda a América Latina. Em vários países, como Bolívia, Equador e Venezuela, a
FAO concluiu que não havia mais fome e a taxa de analfabetismo era praticamente
zero.
A partir de
2010, o império norte-americano derramou milhões de dólares na Sociedade
Interamericana de Imprensa para garantir que os meios de comunicação fizessem
uma campanha sistemática e sem trégua contra os governos considerados
progressistas (nem precisava ser de esquerda). E quando alguns nem assim
entravam em crise, as embaixadas norte-americanas garantiriam o financiamento
de golpes parlamentares. Em Honduras, fizera um golpe militar (2009). No
Paraguai, o dinheiro convenceu a maioria dos congressistas a decretarem o
impedimento do presidente eleito Fernando Lugo (2011). Na Argentina, não foi
preciso golpe. O dinheiro derramado permitiu a eleição de um aliado do império.
No Brasil, conforme declaração do próprio Temer nos Estados Unidos: foi preciso
tirar Dilma para garantir que os interesses do império pudessem ser salvos.
Quem se
guia pelas notícias da imprensa internacional e das agências que as repetem no
Brasil, a Venezuela enfrenta um caos econômico, o povo passa fome e um governo
ditatorial se impõe contra tudo e contra todos. Testemunhas e observadores
enviados à Venezuela por organismos internacionais de Direitos Humanos
atestaram que a situação econômica é difícil porque os comerciantes boicotam o
governo e escondem alimentos para vendê-los pelo preço do dólar paralelo. No
entanto, o governo respeita todas as leis democráticas, existe plena liberdade
de organização e de comunicação e os programas sociais funcionam de forma
melhor do que na maioria dos países do continente, inclusive no Brasil. Para
quem acha que o império conseguiu acabar com tudo, é bom saber que a Bolívia
continua o seu caminho e que o Equador acabou de eleger um presidente que
continuará o caminho até aqui percorrido pelo governo de Rafael Correa.
No México, desde
que, em 1994, começou a rebelião zapatista dos índios em Chiapas, a vida das
comunidades indígenas mudou muito. Os
índios tentaram diversos acordos de paz com o governo. Todos falharam porque o
governo não respeitou nenhum. Muitos líderes foram assassinados. Um cai e outro
segue o caminho até ser morto e substituído por outro e, assim, eles não perdem
a esperança. Apesar de terem sofrido repressões terríveis e de que muita gente foi
assassinada, os índios organizaram os caracóis,
unidades organizativas com um governo próprio nas comunidades locais. E contra
o que chamam "a preguiça do pensamento", organizam seminários e
encontros de estudo a que chamam de "sementeiras". Nos anos de 2013 e
2014, a escolinha zapatista acolheu três mil jovens estudantes de diversos países,
interessados em pensar uma política baseada na solidariedade e um modo de
organizar a sociedade mundial a partir de baixo e dos pobres. Pensam em apresentar uma mulher índia
como candidata à presidente do México em 2018. Sabem que a chance de vitória é
mínima, mas teriam o tempo de campanha para despertar o povo do México para um
fato que eles expressam assim: "Já podemos
escutar o som de um mundo que desaba. Escutem! Esse mundo é a sociedade, essa que
vocês sustentam e acham que tem de se organizar desse modo. O nosso outro mundo
(indígena) foi reduzido a pouco e vocês acham que está em ocaso. Vocês nos veem
como um povo primitivo e atrasado. Mas, o nosso anoitecer nos levará à luz da
ressurreição porque é feito de amor e de esperança".
Que essa
mensagem dos índios do México possam nos animar a continuar o caminho do
amanhecer em busca de uma sociedade mais justa. Como diz o Fórum Social
Mundial: "Um mundo novo é
necessário. Juntos podemos torná-lo possível".
Marcelo Barros,
monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor
nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de
base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT
(Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros
publicados no Brasil e em outros países.
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