Por Marcelo
Barros
A cada ano,
no hemisfério sul, na semana anterior à festa de Pentecostes, (nesse ano, de 29
de maio a 03 de junho), as Igrejas cristãs, ligadas ao Conselho Mundial de
Igrejas, celebram a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos. Essa iniciativa
da Oração pela Unidade já acontece nas Igrejas há mais de cem anos. Desde João
XXIII (1959), todos os papas têm prestigiado e participado da Semana da
Unidade. Apesar disso, ainda são poucas as comunidades, paróquias e grupos de
base, tanto católicos, como evangélicos, sensíveis e abertos a esse chamado de
Deus à unidade com cristãos de outras denominações.
Nesse ano,
o tema escolhido pela comissão mundial que preparou a Semana da Unidade é "Reconciliação: é o amor de Cristo que
nos impele" (2 Cor 5, 14- 20). Esse tema lembra o chamado de Jesus
para a unidade. Ao mesmo tempo, ao falar de reconciliação, recorda que, nesse
ano, celebramos os 500 anos da Reforma, isso é, do início da grande divisão das
Igrejas Católica e Evangélicas. Por isso, os subsídios para encontros e
reflexões foram preparados por uma comissão ecumênica da Alemanha, país de onde
partiu a reforma.
A convicção
comum é que a divisão é sempre consequência e expressão do pecado humano. Ao
contrário, quando buscamos a reconciliação, estamos realizando uma ação
inspirada pelo Espírito. Quando as Igrejas se fecham em uma postura
conservadora, provocam divisões e sofrimentos. Quando se abrem à renovação
constante que o Espírito de Deus inspira, vão no caminho da reconciliação e da
unidade.
Desde o
início das Igrejas até hoje, as pessoas proféticas que propunham renovação sempre
tiveram dificuldade de ser aceitas. Na Igreja do Ocidente um grande movimento
de reforma ocorreu no século XII e XIII. Foi liderado por São Francisco de
Assis, Valdo de Lion e Joaquim de Fiori. Eles queriam tornar a Igreja Católica
mais de acordo com o evangelho de Jesus. Foi uma primeira reforma. Três séculos
depois, no início do século XVI, Martinho Lutero, João Calvino, Ulrico Zwinglio
e outros propuseram uma segunda reforma para fazer a Igreja retornar ao
evangelho de Jesus. A hierarquia católica não aceitou as propostas dos
reformadores, mas o papa se deu conta de que alguma coisa tinha de mudar e
convocou o concílio de Trento para a reforma católica.
Podemos
dizer que, no século XX, agora há cem anos, se iniciou uma terceira reforma que
é justamente o caminho ecumênico. No mundo inteiro, o Cristianismo é a única
das grandes religiões do mundo que, apesar de tudo, tem esse movimento de
unidade interna. Ele se baseia no esforço de conversão pessoal ao evangelho e
de aprofundar o espírito do diálogo e da acolhida do outro. Como disse Paulo no
texto lembrado nessa semana da unidade: "é o amor de Cristo que nos impele".
Em um
recente encontro com irmãos pentecostais, o papa Francisco comparou o
Cristianismo com a figura geométrica do poliedro. No poliedro, todas as partes
são diversas. Cada lado é diferente do outro e cada um conserva a sua
peculiaridade. No Cristianismo, também é assim. Cada Igreja tem e manifesta o
seu carisma. No entanto, como o poliedro, as Igrejas formam um só corpo, uma só
unidade na diversidade.
O Conselho
Mundial de Igrejas que reúne 349 Igrejas cristãs propõe a meta de uma
"diversidade reconciliada". Em várias de suas alocuções, o papa
Francisco tem assumido esse princípio como possível caminho de unidade. Para
isso, de um lado e do outro, é preciso superar pecados ligados à compreensão
quase divinizada do poder, a arrogância cultural e a dificuldade de aceitar o
diferente. É preciso de novo valorizar o princípio medieval, retomado por
Lutero e lembrado pelo papa Francisco: "A Igreja deve se reformar
permanentemente".
Para essa
renovação contínua, os critérios apontados pelo papa João XXIII são a volta ao
Evangelho de Jesus e a busca profunda de atualização para "ouvir o que o
Espírito diz, hoje, às Igrejas" (Ap. 2). Para cada cristão e para cada
comunidade, retomar a referência ao evangelho é assumir o compromisso
permanente de uma conversão pessoal e comunitária, progressiva e sempre mais
exigente. Assim, nos abrimos ao amor divino que nos torna capazes de dialogar
com a humanidade atual e nos atualizar.
As
comemorações do quinto centenário da Reforma e essa semana da unidade são
ocasiões para darmos graças a Deus pelo caminho percorrido em comum, católicos
e evangélicos. Esses encontros nos ajudam a nos unir cada vez mais em em um
trabalho de reforma permanente de nossa própria Igreja. Assim, vivemos de forma
mais fiel o evangelho de Jesus. E podemos trabalhar juntos pela transformação
do mundo, a partir do projeto divino de paz, justiça e comunhão com a natureza. Assim, poderemos, com Jesus viver a oração
que, na véspera da sua partida, ele disse ao Pai: "Pai, que todos sejam Um, como eu e Tu somos Um, para que o mundo
creia que Tu me enviaste" (Jo 17, 20- 21).
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