Por Marcelo
Barros
No mais
íntimo de cada pessoa, há uma permanente busca de sentido para a vida. Todos os
seres humanos têm em comum o desejo íntimo e insaciável por algo mais profundo
do que a mera cotidianidade e as necessidades imediatas. Há uma fome e sede de
infinito. Mesmo se nos deixamos absorver pelas correrias do dia a dia, dentro
de nós pulsa um misterioso apelo para um reencontro mais profundo conosco
mesmo, para uma relação solidária com as outras pessoas e com o universo. Quem
crê em Deus não pode vê-lo como uma entidade fora da realidade. Ao contrário, é
um segredo de Amor presente e por trás de tudo o que existe. No fundo, é esse
mistério de amor que todos os seres humanos pressentem e no qual buscam saciar
sua sede de mais vida. No século IV, Santo Agostinho afirmou: "O coração
humano vive inquieto até que possa repousar em Ti".
Conforme a
fé cristã, a abertura ao Espírito é dom e corresponde a um chamado divino
colocado no mais profundo de nós. O povo antigo acreditava que o Espírito
Divino era uma ventania que sacode tudo e renova a vida. Em uma das tradições
religiosas afro-brasileiras, a ventania é expressão de Iansã, o Orixá dos
ventos e das tempestades. Em hebraico, o termo "espírito" é “ruah”,
ventania. Na primeira página, o Gênesis afirma que antes que Deus pusesse ordem
na criação, "a ventania divina pairava sobre as águas (Gn 1, 2). Mais
tarde, quando os hebreus precisavam atravessar o Mar Vermelho para se libertar
da escravidão do Egito, a ventania divina soprou durante toda a noite,
separando as águas, para que o povo pudesse atravessar o mar a pé enxuto (Ex
14).
Na Bíblia,
muitas vezes, o Espírito Divino toma a expressão feminina de mãe carinhosa a
soprar a vida sobre a primeira humanidade (Adão), depois a fazer com o povo uma
aliança de amor, baseada no casamento entre verdade e amor fidelidade e
ternura. Conforme o evangelho de João, quando ressuscitou, Jesus apareceu aos
discípulos reunidos e, assim como na criação da humanidade, Deus tinha soprado
sobre o ser humano lhe dando vida, Jesus soprou sobre os seus discípulos e
discípulas para lhes dar a vida nova do Espírito” (Jo 20, 19- 23).
Nesse
próximo domingo, mais uma vez, as
Igrejas encerram as festas anuais da Páscoa com a celebração de Pentecostes. No
Centro-oeste e em outras regiões do Brasil, as folias do Divino saem às ruas
com seus ritos, suas melodias e seus tambores. Invocam o Espírito sobre a
natureza ameaçada e sobre esse nosso mundo que parece tão sem rumo.
Hoje,
homens e mulheres das mais diversas religiões, assim como pessoas que não
seguem nenhum credo, se engajam em buscar “um novo mundo possível”. Deixam-se
tocar pela brisa suave da ventania divina e se mobilizam ao ver o
fortalecimento de movimentos populares, indígenas e negros em todo o nosso
continente. Quem abrir os olhos verá que há algo de novo acontece. Em todo o
mundo, a realidade social e política tem se tornado mais dura e cruel. No
entanto, os movimentos sociais têm se unido na luta pacífica por mais justiça e
paz. Mesmo em meio a muitas contradições, a presença do Espírito em nós, não
nos deixa perder a esperança. A festa de Pentecostes vem nos lembrar nossa
vocação para a liberdade. Em suas cartas, Paulo nos assegura: “Vocês não vivem
mais sob o domínio dos instintos egoístas (carne), mas sob o Espírito e o
próprio Espírito Divino habita em vocês” (Rm 8, 9). "Onde estiver o Espírito de Deus, aí
haverá liberdade" (2 Cor 3, 17). "Foi para que sejamos livres que
Cristo nos libertou" (Gal 5, 13).
Marcelo Barros, monge beneditino e
teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro
Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de
movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica
de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e
em outros países.
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