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terça-feira, 30 de maio de 2017

A VENTANIA DA LIBERDADE

Por Marcelo Barros


No mais íntimo de cada pessoa, há uma permanente busca de sentido para a vida. Todos os seres humanos têm em comum o desejo íntimo e insaciável por algo mais profundo do que a mera cotidianidade e as necessidades imediatas. Há uma fome e sede de infinito. Mesmo se nos deixamos absorver pelas correrias do dia a dia, dentro de nós pulsa um misterioso apelo para um reencontro mais profundo conosco mesmo, para uma relação solidária com as outras pessoas e com o universo. Quem crê em Deus não pode vê-lo como uma entidade fora da realidade. Ao contrário, é um segredo de Amor presente e por trás de tudo o que existe. No fundo, é esse mistério de amor que todos os seres humanos pressentem e no qual buscam saciar sua sede de mais vida. No século IV, Santo Agostinho afirmou: "O coração humano vive inquieto até que possa repousar em Ti".

Conforme a fé cristã, a abertura ao Espírito é dom e corresponde a um chamado divino colocado no mais profundo de nós. O povo antigo acreditava que o Espírito Divino era uma ventania que sacode tudo e renova a vida. Em uma das tradições religiosas afro-brasileiras, a ventania é expressão de Iansã, o Orixá dos ventos e das tempestades. Em hebraico, o termo "espírito" é “ruah”, ventania. Na primeira página, o Gênesis afirma que antes que Deus pusesse ordem na criação, "a ventania divina pairava sobre as águas (Gn 1, 2). Mais tarde, quando os hebreus precisavam atravessar o Mar Vermelho para se libertar da escravidão do Egito, a ventania divina soprou durante toda a noite, separando as águas, para que o povo pudesse atravessar o mar a pé enxuto (Ex 14).

Na Bíblia, muitas vezes, o Espírito Divino toma a expressão feminina de mãe carinhosa a soprar a vida sobre a primeira humanidade (Adão), depois a fazer com o povo uma aliança de amor, baseada no casamento entre verdade e amor fidelidade e ternura. Conforme o evangelho de João, quando ressuscitou, Jesus apareceu aos discípulos reunidos e, assim como na criação da humanidade, Deus tinha soprado sobre o ser humano lhe dando vida, Jesus soprou sobre os seus discípulos e discípulas para lhes dar a vida nova do Espírito” (Jo 20, 19- 23).

Nesse próximo domingo,  mais uma vez, as Igrejas encerram as festas anuais da Páscoa com a celebração de Pentecostes. No Centro-oeste e em outras regiões do Brasil, as folias do Divino saem às ruas com seus ritos, suas melodias e seus tambores. Invocam o Espírito sobre a natureza ameaçada e sobre esse nosso mundo que parece tão sem rumo. 

Hoje, homens e mulheres das mais diversas religiões, assim como pessoas que não seguem nenhum credo, se engajam em buscar “um novo mundo possível”. Deixam-se tocar pela brisa suave da ventania divina e se mobilizam ao ver o fortalecimento de movimentos populares, indígenas e negros em todo o nosso continente. Quem abrir os olhos verá que há algo de novo acontece. Em todo o mundo, a realidade social e política tem se tornado mais dura e cruel. No entanto, os movimentos sociais têm se unido na luta pacífica por mais justiça e paz. Mesmo em meio a muitas contradições, a presença do Espírito em nós, não nos deixa perder a esperança. A festa de Pentecostes vem nos lembrar nossa vocação para a liberdade. Em suas cartas, Paulo nos assegura: “Vocês não vivem mais sob o domínio dos instintos egoístas (carne), mas sob o Espírito e o próprio Espírito Divino habita em vocês” (Rm 8, 9).  "Onde estiver o Espírito de Deus, aí haverá liberdade" (2 Cor 3, 17). "Foi para que sejamos livres que Cristo nos libertou" (Gal 5, 13).


Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.




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