Por Marcelo
Barros
Enquanto a sociedade dominante e
mesmo instituições religiosas pregam a virtude da obediência como base das
relações e do bom funcionamento das organizações, os profetas e profetizas revelam
que há situações nas quais o dever das pessoas éticas é desobedecer.
A
espiritualidade ecumênica compreende a obediência como a escuta interior
do outro e principalmente de quem tem a responsabilidade de representar o
coletivo ao qual se pertence. Por isso, a obediência nunca pode ser uma atitude
mecânica ou, menos ainda, atentar contra a consciência de alguém A obediência
responsável supõe abertura de coração e liberdade interior. Não se realiza sem
que haja entre as duas partes envolvidas uma disposição de dialogar. No caminho
da fé, se trata de escutar juntos a palavra de Deus através da realidade atual
e do que o Espírito pede a cada um/uma e a todos juntos. Por isso, as tradições
espirituais falam da obediência como virtude espiritual que pode ajudar a
pessoa que obedece a superar seus limites interiores e a aventurar-se nos
caminhos do amor. Essa atitude de se colocar junto do outro para acolher a
palavra divina e aquilo que se deve fazer inclui sempre uma postura crítica e
não ingênua ou apenas submissa. Permite a colaboração no lugar da competição e
contém um elemento subversivo à mesquinhez do mundo. Diante de ordens injustas
ou que vão contra a vida e a ética, a obediência primeira deve ser a palavra
interior da consciência e a atitude correta a seguir será sempre o dissenso e
mesmo a desobediência formal.
Essa consciência de obedecer a
normas éticas mais profundas e valiosas fazem com que, no Estado de Israel,
jovens recrutados ao serviço militar obrigatório se neguem a combater
palestinos. Nos Estados Unidos, soldados se neguem a cumprir ordens racistas.
Em todo o mundo, alguns grupos religiosos invocam a sua fé para desobedecer a
qualquer ordem que significaria violência contra a população civil. Invocam um
direito individual, assegurado pela ONU: o direito de objeção de consciência.
Em vários países, a objeção de
consciência é direito civil, reconhecido por lei. No Brasil, o atual governo e
o Congresso constituído por maioria de pessoas compradas por grandes empresas,
se sentem com o direito de, sem consultar
o povo, mudar a Constituição Cidadã. No entanto, até aqui, a lei maior, mesmo
se ainda não foi complementada, garante aos jovens brasileiros o direito de
fazer um serviço civil no lugar do serviço militar obrigatório. Poucos
brasileiros têm consciência disso. A ONU propõe que se consagre o dia 15 de
maio para aprofundar o direito da objeção de consciência e divulgar uma postura
pacifista.
Objetar é se opor determinadamente a
cumprir uma lei que fere a consciência. A violência, mesmo cometida pelo
Estado, nunca será capaz de construir um mundo de paz e justiça. Só se
reconhece a dignidade humana onde a consciência individual e a fé de cada grupo
forem respeitadas. A ciência e a arte de viver têm progredido mais por conta
das pessoas que ousam desafiar as leis e inovar os costumes do que pela ação
das que simplesmente seguem caminhos convencionais.
Mulheres e homens, reconhecidos no
mundo inteiro, alguns até premiados com o Nobel da Paz, foram ou ainda são, em
seus países, considerados como rebeldes e desobedientes. Para os budistas
tibetanos, o Dalai Lama, é a 14a reencarnação do Buda da Compaixão.
No entanto, para o governo chinês, ele é apenas um subversivo, desobediente às
leis. O prêmio Nobel da Paz foi dado a dois latino-americanos ilustres: a
Rigoberta Menchu que viveu anos sem poder voltar à Guatemala para não ser morta
e a Adolfo Perez Esquivel que, durante anos, era constantemente ameaçado de
prisão na Argentina. No Brasil da ditadura militar, o arcebispo Dom Hélder
Câmara era escutado no mundo inteiro. Enquanto isso, em nosso país, os meios de
comunicação não podiam nem pronunciar o seu nome. No passado, Gandhi e Martin
Luther King foram presos e condenados como desobedientes às leis vigentes. Para
os cristãos, os mártires são testemunhas da fé. Muitos foram condenados à morte
por se negar a reconhecer o imperador como divino; Outros, por objeção de
consciência ao serviço militar. Do ponto de vista da fé, são mártires, mas a
sociedade da época os condenou como traidores e até criminosos.
Se a objeção de consciência é
direito de toda pessoa diante do poder social e político, com maior razão
ainda, as religiões e Igrejas deveriam reconhecer um direito à dissidência e à
objeção de consciência diante de um poder autoritário ou, por qualquer razão,
injusto. Atualmente, a maioria das religiões reconhece o direito à objeção de
consciência no campo social e político, mas nem sempre aceita a desobediência
religiosa.
Até hoje, é frequente que bispos,
padres e pastores excluam pessoas e grupos por serem desobedientes e considerem
qualquer dissidência como traição à fé e heresia. Essa intolerância e
autoritarismo anti-evangélico abre a porta ao fundamentalismo religioso, hoje,
responsável por tantos atos de violência física ou simbólica. O que, na Bíblia,
caracteriza a fé cristã é o aprendizado da liberdade interior e social. Paulo
escreveu aos coríntios: “Onde estiver o Espírito do Senhor, aí haverá
liberdade” (2 Cor 3, 17). E aos gálatas: “Foi para que sejamos livres que
Cristo nos libertou. Vocês não devem aceitar, por nenhum pretexto, voltar à
situação de não liberdade” (Gl 5, 1. 13).
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