Frei Betto
O que há de especial no início de um novo ano? Não somos trilobitas. Somos
humanos, dotados da capacidade de imprimir ao tempo caráter histórico e, à
história, sentido. Mudar de ano é rito de passagem. Ressoa em nosso
inconsciente o alívio por terminar um ano de tantas decepções, frustrações e
crises, e a expectativa de, em breve, celebrar conquistas, avanços e vitórias.
Vivemos premidos pelo mistério. Como as partículas subatômicas, somos regidos
pela lei da indeterminação. Essa impossibilidade de prever o futuro suscita
angústia, e nos induz a tentar decifrá-lo por via da leitura dos astros, das
cartas, da premonição de videntes, dos búzios ou da rogação aos santos
protetores.
Eis uma característica da pós-modernidade: em plena era da emergência da física
quântica e da falência do determinismo histórico como ideologia, acreditamos
que o futuro está escrito nas estrelas.
Daí a inércia, a indignação imobilizadora, a impotência frente aos escândalos
éticos, ao descaramento com que corruptos são absolvidos por seus pares, essa
letargia que em nada lembra um povo que inundou as vias públicas pelas Diretas
Já, a queda do presidente Collor, e contra o aumento das tarifas de ônibus.
O Brasil já viveu tempos mais sombrios, como os anos de chumbo, os generais
metendo no coldre as chaves dos parlamentos, a utopia dependurada no
pau-de-arara, as rotas do exílio a se multiplicarem, os mortos e desaparecidos
enterrados nos arquivos secretos das Forças Armadas. Ainda assim, havia sonho,
e ele não era motivado pela ingestão química; brotava da fome de liberdade e
justiça, fomentava o desejo irrefreável a adjetivar de novo a criatividade
incensurável – o cinema, a bossa, a literatura, o tropicalismo.
No passado, o futuro era melhor. Hoje, imersos nessa sociedade da
hiperestetização da banalidade, na qual as imagens contraem o tempo e a rede
virtualiza o diálogo na solidão digital, andamos em busca da razão de viver.
Perdemos o senso histórico, trocamos os vínculos de solidariedade pela
conectividade eletrônica, vendemos a liberdade por um punhado de lentilhas em
forma de segurança.
Neste 2018, seremos chamados às urnas. Haveremos de tentar discernir os
idealistas dos arrivistas; os servidores públicos dos que se afogam no ego destilado
na embriaguez dos aplausos; os movidos pela intransigência dos princípios
éticos dos que miram os recursos do Estado como carniça fresca ofertada à sua
gula insaciável.
Ano de comemorar o 70º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos
e 30º de nossa atual Constituição. Impossível celebrar conquistas em direitos
humanos enquanto a polícia estigmatiza como suposto bandido o morador de
favela; o Judiciário mantém-se indiferente à reforma do sistema prisional;
indígenas e quilombolas têm suas terras invadidas; a frouxidão da lei cobre de
imunidade corruptos e, de impunidade, bandidos.
Não basta o propósito de fazer novo em nossas vidas o ano de 2018. É preciso
fazer novas as realidades que nos cercam, de modo que ocorram mudanças
efetivas, e a paz floresça como fruto da justiça.
Feliz 2018, Brasil!
Frei
Betto é escritor, autor de “A arte de semear estrelas” (Rocco), entre outros
livros.
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