Por Marcelo
Barros
Nos Estados
Unidos, essa semana começa com um feriado. A cada ano, na terceira
segunda-feira de janeiro, festeja-se o aniversário do nascimento do pastor
Martin-Luther King (29/ 01/ 1929). É um dia consagrado à celebração da
igualdade racial e da liberdade cidadã. Nesse ano, no qual comemoramos 50 anos
do assassinato de Luther King, (04 de abril de 1968), é importante rever o
quanto avançamos no caminho da justiça e da liberdade e que novos desafios se
apresentam para vivermos, hoje, a herança desse mártir da paz.
Vivemos em
um país no qual todas as pesquisas revelam o recrudescimento do racismo e da
discriminação de classes. Aqui no Brasil, não temos, como nos Estados Unidos,
Igrejas que se dizem cristãs e ainda estão divididas, entre “Igrejas de brancos”
e “Igrejas de negros”. No entanto, a segregação social e racial penetra também
nas Igrejas. No Brasil, há grupos que se consideram cristãos e condenam como
idolátricos e demoníacos cultos afrodescendentes. Julgam sem conhecer e, a
partir de uma leitura superficial e descontextualizada de alguns textos
bíblicos, os condenam. Dão, assim, um péssimo testemunho sobre Jesus,
exclusivista, desrespeitador das outras culturas e cruel com os pobres.
Quase
sempre, na América Latina e no Caribe, ser negro é sinônimo de ser pobre. A
África do Sul superou o apartheid político, mas mantém uma imensa desigualdade
racial, baseada na divisão econômica. Com relação a isso, ainda ressoam as
palavras do pastor Martin-Luther King: “O
que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons. Mais do que a
violência de poucos, me assusta a omissão de muitos”. Ele explicava: “Uma pessoa que não descobriu nada pela qual
aceitaria morrer, não está ainda pronta para viver”.
A causa
pela qual ele deu a vida foi a dignidade de todo ser humano, concretamente
daqueles que não veem reconhecidos seus direitos de cidadania. Atualmente, o
mesmo país que faz feriado para homenagear Luther-King aceita que o seu governo
construa monstruosos muros de segregação para separar o seu território do
México. A maioria do povo não sabe onde fica o Iraque ou a Líbia e nem se
interessa pelo que se passa lá. Entretanto, em seu nome, o governo ataca países
da África e da Ásia, mata milhares e destrói tudo o que precisa para explorar o
petróleo, ali abundante. Enquanto isso, nas próprias cidades do seu paraíso
capitalista, 40 milhões de cidadãos (não de migrantes) sobrevivem abaixo do
nível da pobreza.
No Brasil,
se fôssemos fazer feriado para cada pessoa que, nesses últimos 40 anos, deu a vida pela
justiça e pela liberdade de todos, não sobraria, no ano inteiro, um dia sem
memória de algum mártir. Por isso, o melhor é que na memória de Martin-Luther
King, pensemos nos tantos irmãos e irmãs que deram a vida pela causa da justiça
e da paz em nosso país. O pastor Luther-King fez isso movido pela fé. Muitos
dos mártires latino-americanos também tiveram
a mesma motivação. Mesmo os que não eram ligados a nenhuma Igreja, podem
ser considerados testemunhas do projeto divino para esse mundo. Afinal, o
evangelho diz que Jesus afirmou: "Bem-aventuradas
são todas as pessoas que têm fome e sede de justiça, porque delas é o reino dos
céus" (Mt 5, 1- 12).
A sociedade
em que vivemos opõe sonho e realidade. Chega a ensinar que sonho não é real.
Assim, a única saída seria submeter-se à realidade dura e cruel, imposta pela
ditadura do mundo, dominado pelo dinheiro. Graças a Deus, continuamos a ter
profetas e poetas que nos fazem sonhar e acreditar no sonho que temos. Em
março, em Salvador, BA, um fórum social mundial reunirá pessoas de todo o mundo
que acreditam no sonho e se mobilizam para realizá-lo. O tema dos fóruns
sociais têm sido: "Um outro mundo é
necessário. Juntos, podemos torná-lo possível". Se acreditarmos nesse sonho, nos unimos a
essa caminhada.
Em várias
pesquisas, as pessoas declararam que, em todo o século XX, o mais importante
discurso, proferido nos Estados Unidos, foi o que Martin Luther-King pronunciou
no 28 de agosto de 1963. Nos degraus do Lincoln Memorial em Washington, ao
encerrar a marcha por direitos civis, diante de mais de 200 mil pessoas, ele
começou seu discurso com as palavras: “Eu
tenho um sonho”. Apesar de ter sido proferido há 55 anos, suas palavras
ainda se mantêm atuais e proféticas: "O
meu sonho é viver em um mundo no qual os meus filhos negros possam andar de
cabeça erguida e conviver de igual para igual com seus colegas brancos, frequentar
os mesmos colégios e participar dos mesmos ambientes sociais. (...) Sonho com
um mundo no qual possa ver meus filhos julgados por sua personalidade e não
pela cor de sua pele”.
Graças a
Deus, muita gente no mundo ainda alimenta esse sonho e se dispõe a enfrentar
todos obstáculos e desafios para realizá-lo.
Para quem
vive uma busca espiritual, a espiritualidade está ligada à capacidade de sonhar
e à opção de lutar pacificamente para tornar realidade aquilo que sonhamos. A
Bíblia contém a revelação progressiva de um projeto divino de paz, justiça e
comunhão entre os seres humanos e com a natureza. Luther King nos recordava: “Lembremo-nos de que existe no mundo um
poder de amor que é capaz de abrir caminho onde não há caminho e de transformar
o ontem escuro em um amanhã luminoso”.
Marcelo Barros, monge beneditino e escritor, autor de 26
livros dos quais o mais recente é "O Espírito vem pelas Águas", Ed.
Rede-Loyola, 2003. Email: mostecum@cultura.com.br
Excelente. Isso é uma palavra profética
ResponderExcluir