Por Frei Betto
A cultura não é neutra. É roupa que veste os fatos. Os fatos são fatos, e não
se pode negá-los, exceto se você ostenta a suprema toga. Pode-se, porém,
ressignificá-los.
Ninguém nega que os militares derrubaram o governo democrático de João Goulart,
em 1964. É um fato. Contudo, varia a hermenêutica. Para uns, foi golpe; para outros,
simples movimento, contrarrevolução ou intervenção salvífica de Nossa Senhora
Aparecida, invocada pela Marcha da Família com Deus pela Liberdade, para livrar
o Brasil da iminente ameaça comunista.
O “marxismo cultural” dissemina a versão de que se tratou de um golpe
cívico-militar, e ainda insulta a imagem de oficiais das Forças Armadas e
agentes policiais aos acusá-los de torturadores e assassinos.
Outro fato inquestionável é a existência do planeta Terra, no qual vivemos. No
entanto, há quem afirme ser ele redondo, o que teria sido constatado pelo grego
Eratóstenes no século III a.C. Contudo, há controvérsias. Para os adeptos do
terraplanismo ele é plano, e há uma muralha de gelo nas suas bordas, o que
impede o esvaziamento dos oceanos. E acima de nossas cabeças paira o domo com o
Sol e a Lua. Porém, a Nasa gasta bilhões de dólares para nutrir a farsa
globalista de que a Terra é redonda.
No século XVI, o polaco Nicolau Copérnico concordou que a Terra é redonda, e
ainda acrescentou que, integrada a um colar de planetas, ela gira em torno do
Sol.
O leitor certamente se pergunta: como o “marxismo cultural” influi nessa
questão? Aparentemente trata-se apenas de uma divergência astronômica. Só
aparentemente.
O astrônomo polonês anteviu a tese do educador Paulo Freire de que mudança de
lugar social tende a modificar o lugar epistêmico. Copérnico se deslocou
virtualmente da Terra para o Sol e, dali, proclamou que o nosso planeta
desenvolve uma dança sideral em volta do Sol. E, como se sabe, Paulo Freire era
um cristão-marxista.
O “marxismo cultural” é capcioso, sutil, subliminar. Não reside apenas nas
ideias de um professor ou em livros didáticos. Está na cor vermelha de uma
camisa, no cabelo afro de uma aluna, nos trejeitos efeminados de um
homossexual, até mesmo na equivocada versão de que o nazismo teria sido um
movimento da extrema-direita. O nazismo era, sim, um movimento de esquerda
chamado nacional-socialismo. Foi derrotado pelo exército soviético para que
Hitler, caso sobrevivesse, não fizesse sombra a Stalin.
Outro efeito político do “marxismo cultural” foi o fascismo. Sabem por que
Mussolini tinha o prenome de Benito? Porque seu pai, Alessandro, fervoroso
socialista, quis homenagear o revolucionário mexicano Benito Juárez. Mussolini
contatou Lenin na Suíça, em 1903. E em 1910 fundou, na Itália, o jornal “Luta
de classes”. E dirigiu o jornal do Partido Socialista Italiano, em cuja redação
trabalhou com o supremo mentor do “marxismo cultural”, Antonio Gramsci.
Uma das áreas preferidas do marxismo cultural é a das estatísticas. Todos sabem
que não há fome no Brasil, pois, como observou a ministra, há suficientes
mangas caídas nas ruas. Se não são mangas, são goiabas. No entanto, órgãos do
governo, como o IBGE, ou globalistas, como a ONU, insistem em anunciar que 52
milhões de brasileiros vivem na miséria. Ou que há 13,1 milhões de
desempregados, quando todos sabem que toda a população trabalha, seja catando o
que comer em latas de lixo, seja na árdua tarefa de planejar um assalto a
banco.
Para integrar o novo governo do Brasil não é necessário competência.
Importa estar isento de qualquer influência do “marxismo cultural”. E fazer de
conta que não tem ideologia. Essa vigilância quanto a vírus nocivos à nossa
cultura deve ser exercida com lupa de caçar piolho em cabeça de pulga.
Só assim teremos um país livre de influência comunista e purificado da sutil
inoculação de ideias que contrariam o único poder capaz de nos garantir quando
a verdade é mentira, e quando a mentira é verdade.
Frei Betto é escritor, autor
de “A obra do Artista – uma visão holística do Universo” (José Olympio), entre
outros livros.
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