Por Marcelo
Barros
A Organização das Nações Unidas (ONU)
consagra o 15 de maio como “o dia mundial
da objeção de consciência”. Infelizmente poucas pessoas sabem do que se
trata. Objeção de consciência é a atitude de quem, por convicção religiosa,
social ou política, se nega a pegar em armas e a participar de guerras e praticar
atos violentos. Supõe desobediência a leis que ferem a consciência da pessoa ou
a ética de um grupo.
O Direito internacional ensina que
toda pessoa tem o direito e o dever de desobedecer, quando a ordem dada se opõe
à sua consciência. Pelo fato de seguir ordens, ninguém deixa de ser responsável
pelo que faz. Os tribunais internacionais condenaram soldados nazistas que,
cumprindo ordens de oficiais superiores, torturaram ou mataram pessoas.
Obedecer vem do verbo latino obaudire que significa “escutar
interiormente”. Então, a verdadeira obediência é a capacidade de escutar a
palavra do outro, levá-la a sério, mas, depois, agir de acordo com a sua
consciência. Ninguém deve cumprir ordens iníquas.
Em Israel, jovens recrutados ao
serviço militar invocam a objeção de consciência para se negar a combater
palestinos ou a queimar casa de pessoas pobres, ato comum perpretado pelas
tropas de ocupação israelita. Nos Estados Unidos, por objeção de consciência,
muitos jovens se negam a invadir outros países e a agredir nas ruas negros e
migrantes pobres. Diante do Congresso, militantes pacifistas foram presos por
rasgarem publicamente o documento de incorporação militar.
Em alguns países, cidadãos exigem
saber a destinação exata do pagamento de seus impostos. E não aceitam pagar
impostos se o dinheiro for aplicado em sociedades que fabricam armas ou
investem em negócios antiéticos. Em todo o mundo, há consumidores que não compram
carne de fazendas que destroem florestas e dizimam a natureza.
De fato, no decorrer da história, a
humanidade têm progredido mais pela ação de pessoas que desafiaram as leis do
que através daquelas que simplesmente seguem os caminhos convencionais. Por muito
tempo, homens e mulheres, admirados no mundo inteiro e premiados com o Nobel da
Paz, em seus países eram considerados como rebeldes e desobedientes. No
passado, Gandhi e Martin Luther King foram presos e condenados como
desobedientes às leis. Na África do Sul, Nelson Mandela passou 20 anos na
prisão como subversivo. Para os budistas tibetanos, o Dalai Lama, é a
reencarnação do Buda da Compaixão. No entanto, para o governo chinês, é um
dissidente, desobediente às leis. Na América Latina, o prêmio Nobel da Paz foi
dado a Rigoberta Menchu, índia que, durante
anos, viveu exilada do seu país e a Adolfo Perez Esquivel, advogado que,
por muito tempo, foi ameaçado de prisão na Argentina. No Brasil dos tempos da
ditadura, o arcebispo Dom Hélder Câmara, escutado no mundo inteiro, era
censurado e considerado subversivo.
Em 1980, em El Salvador, Monsenhor
Romero, canonizado como santo pelo papa Francisco, poucos dias antes de ser
assassinado pela ditadura militar do seu país, pregava do alto do seu púlpito:
“Peço aos soldados que desobedeçam e
parem a violência, Não matem. Não torturem. Não cometam injustiças”.
Atualmente, de tal modo, o modelo
democrático está em crise que, em países como os Estados Unidos, a Itália,
Argentina e Brasil, o governo é ocupado por pessoas que se revelam sem
escrúpulos. Não disfarçam o ódio, a discriminação a pessoas e grupos diferentes
e sua admiração à violência. O presidente da República propõe que todas as
pessoas possam ter armas, pais ensinem crianças a atirar e policiais tenham direito
de matar quem lhes pareça suspeito. Por
todo o país, se espalham atos de racismo, de violência contra a mulher e contra
minorias sexuais. O ministério da educação pretende proibir o ensino da
Filosofia e da Sociologia nas universidades. Nesse contexto, em nome da
humanidade, todo cidadão tem obrigação de se posicionar contrário a que esses projetos
perversos se concretizem. Não basta ser contra. É preciso lutar contra a
loucura dessa farsa produzida pela Globo e outros grandes meios de comunicação
que nos roubaram a democracia e nos conduziram à barbárie.
A violência, cometida por uma pessoa
individual, ou pelo Estado, nunca construirá um mundo de paz e justiça. Nos
mais diversos continentes, grupos religiosos e civis se negam a pegar em armas
e exigem substituir treinamentos militares por ações pacíficas. Fazem serviço
civil no lugar do serviço militar obrigatório e a lei reconhece esse direito.
A Constituição brasileira garante aos
jovens o direito da objeção de consciência. Ninguém pode ser obrigado a fazer
serviço militar ou, se é policial praticar violência contra outra pessoa. A ONU
consagra essa semana para divulgar essa informação e tornar conhecido o direito
que toda pessoa tem de se negar a obedecer a ordens injustas e iníquas.
Mais do que qualquer poder social e político,
religiões e Igrejas deveriam reconhecer o direito à dissidência e à objeção de
consciência diante de um poder religioso autoritário ou, por qualquer razão,
injusto. Conforme a Bíblia, quando as autoridades de Jerusalém proibiram os
apóstolos a falar no nome de Jesus, estes responderam: “Entre obedecer a Deus e aos homens, é melhor obedecer a Deus. Por isso,
nós desobedecemos a vocês”(At 5, 29).
MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 44 livros publicados, dos quais “O Espírito vem pelas Águas", Ed. Rede da Paz e Loyola. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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