Padre Fabio dos Santos
Muita gente se contagia
com minha alegria. Todavia ela não é de alguém anestesiado ou lombrado. Em meu
coração passeiam as angústias do mundo e minhas próprias angústias.
Vida, dor, sofrimento e
morte. Diante de tudo isso, no meu pobre e frágil coração, bailam
revoltadamente uma interrogação. Deus seria um sarcástico e indiferente
assistindo de camarote do alto do céu o drama, a tragédia e a comédia da
existência humana cá embaixo, comendo ele o manjar dos deuses enquanto nós nos
viramos comendo o pão que o diabo amaçou?
É verdade que Deus nos ama? Todos e a cada um? Não se espante. Como nos
salmos da bíblia, também nos salmos desse padre são salmodiados cânticos cheio
de lágrimas.
Epicureo, na antigüidade,
já questionava: “Ou bem Deus deseja suprimir o mal, mas não pode, ou Ele pode
mas não quer. Se Deus o quer mas não pode, Ele é impotente, o que é contrário à
sua natureza. Se Ele pode mas não quer, Ele é malvado, o que é contrário à sua
natureza. Se Ele o não o quer nem o pode, Ele é ao mesmo tempo impotente e
malvado, o que significaria dizer que Ele não é Deus. Mas se Ele pode e quer, o
que só convém a Ele, de onde vem então o mal e por que Ele não lhe suprime?”
Amado irmão e irmã, o
Cristianismo tem a honestidade de não ter uma explicação. Ao longo dos séculos
e hoje, muitos tentam toda sorte de explicação para responder a questão do mal:
nos astros, no esoterismo, no carma, na reencarnação, nas forças misteriosas do
além. Estamos diante do mistério de Deus, do mistério da mulher e do homem e do
mistério dos cosmos. E o mistério não podemos agarrá-lo, escapa-nos das mãos.
Porém, o Cristianismo tem
algo maior do que toda e qualquer explicação. Não se assuste! Deus é o primeiro
escandalizado com o escândalo do mal, aquele que mais sofre. Deus sofre com a
gente e muito mais do que a gente com o mal que devasta o mundo: a fome, as
guerras, as catástrofes, as doenças, o sofrimento e morte de inocentes, o mal
moral causado pelos homens que ele criou livres e inteligentes... Sofre também
pelo “não” do homem ao seu plano de amor e plenitude começada já aqui e
completada no céu, esse “não” do homem que faz o homem sofrer. Ele não é um
espectador desinteressado e distante, ele sofre por nós, conosco e em nós.
Mais, Deus sofre em si mesmo.
Ele sofre por nós, quando
por nós e para nossa salvação assumiu nossa carne de agonia e de prazer, de
vida e de morte, ressuscitando depois para dar sentido a nossa totalidade
psicossomático e espiritual. Ele sofre conosco chorando nossas lágrimas em
solidariedade e consolo. Ele sofre em nós, no mais íntimo, ou no outro, quando
bem disse: “tive fome, sede, dor, solidão...” ( Mt 25,35).
Falo de um sofrimento de
Deus e em Deus. O sofrimento de Deus começou com a queda de nossos pais, tão
expressiva na narrativa alegórica do livro dos gêneses. Deus experimenta um
fracasso na criação e sai a procurar o homem e a mulher. “Onde você está?”(Gn
3,9). Desde esse dia Deus nos procura. Na aliança com Israel Deus amarga de novo um fracasso. “Eu dizia.
‘eis-me aqui, eis-me aqui!’ a um povo que não invoca meu nome”( Is 65,1), e
ainda: “Meu povo ouve minha voz, Israel não quer saber de mim... Ah, se meu
povo me escutasse!” ( Sl 81,12.14). Seria ousadia falar também de um fracasso
na redenção? “ Ele estava no mundo...
mas o mundo não o reconheceu. Veio para o que era seu e os seus não o
receberam” ( Jo 1,10-11). Não é uma verdade ainda para hoje? Jesus não continuaria a chorar sobre
Jerusalém do mundo? “ E, como estivesse perto de Jerusalém, Jesus viu a cidade
e chorou sobre ela, dizendo: ‘Ah! Se neste dia também tu conhecesses a mensagem
de paz!... não reconheceste o tempo em
que foste visitada!”( Lc 19, 41.44b).
Falar de um Deus sofredor
pode soar como um escândalo para a razão. Se Deus existe, Ele existe sofrendo
de um sofrimento de amor. Um sofrimento assim de Deus e em Deus não pode ser
compreendido como imperfeição, mas como a perfeição mesmo, seu ato puro, isto
é, o amor. E o amor é tanto gozo e alegria, como também é dor e sofrimento.
Deus sofre!
Sejamos como Deus,
sensível, solidário e salvação para com os sofredores. Se sou eu e você a
sofrer agora, sintamos sua ternura, carinho, afago e consolação.
Fabio dos Santos é presbítero, membro da Comissão de Justiça e Paz, coordenador da Comissão para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-religioso na Arquidiocese de Olinda e Recife e capelão da igreja Nossa Senhora da Assunção das Fronteiras.
Parabéns e obrigada, Pe Fábio!
ResponderExcluir