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quarta-feira, 25 de março de 2020

O SOFRIMENTO DE DEUS



Padre Fabio dos Santos




Muita gente se contagia com minha alegria. Todavia ela não é de alguém anestesiado ou lombrado. Em meu coração passeiam as angústias do mundo e minhas próprias angústias.

Vida, dor, sofrimento e morte. Diante de tudo isso, no meu pobre e frágil coração, bailam revoltadamente uma interrogação. Deus seria um sarcástico e indiferente assistindo de camarote do alto do céu o drama, a tragédia e a comédia da existência humana cá embaixo, comendo ele o manjar dos deuses enquanto nós nos viramos comendo o pão que o diabo amaçou?  É verdade que Deus nos ama? Todos e a cada um? Não se espante. Como nos salmos da bíblia, também nos salmos desse padre são salmodiados cânticos cheio de lágrimas.

Epicureo, na antigüidade, já questionava: “Ou bem Deus deseja suprimir o mal, mas não pode, ou Ele pode mas não quer. Se Deus o quer mas não pode, Ele é impotente, o que é contrário à sua natureza. Se Ele pode mas não quer, Ele é malvado, o que é contrário à sua natureza. Se Ele o não o quer nem o pode, Ele é ao mesmo tempo impotente e malvado, o que significaria dizer que Ele não é Deus. Mas se Ele pode e quer, o que só convém a Ele, de onde vem então o mal e por que Ele não lhe suprime?”

Amado irmão e irmã, o Cristianismo tem a honestidade de não ter uma explicação. Ao longo dos séculos e hoje, muitos tentam toda sorte de explicação para responder a questão do mal: nos astros, no esoterismo, no carma, na reencarnação, nas forças misteriosas do além. Estamos diante do mistério de Deus, do mistério da mulher e do homem e do mistério dos cosmos. E o mistério não podemos agarrá-lo, escapa-nos das mãos.

Porém, o Cristianismo tem algo maior do que toda e qualquer explicação. Não se assuste! Deus é o primeiro escandalizado com o escândalo do mal, aquele que mais sofre. Deus sofre com a gente e muito mais do que a gente com o mal que devasta o mundo: a fome, as guerras, as catástrofes, as doenças, o sofrimento e morte de inocentes, o mal moral causado pelos homens que ele criou livres e inteligentes... Sofre também pelo “não” do homem ao seu plano de amor e plenitude começada já aqui e completada no céu, esse “não” do homem que faz o homem sofrer. Ele não é um espectador desinteressado e distante, ele sofre por nós, conosco e em nós. Mais, Deus sofre em si mesmo.

Ele sofre por nós, quando por nós e para nossa salvação assumiu nossa carne de agonia e de prazer, de vida e de morte, ressuscitando depois para dar sentido a nossa totalidade psicossomático e espiritual. Ele sofre conosco chorando nossas lágrimas em solidariedade e consolo. Ele sofre em nós, no mais íntimo, ou no outro, quando bem disse: “tive fome, sede, dor, solidão...” ( Mt 25,35).

Falo de um sofrimento de Deus e em Deus. O sofrimento de Deus começou com a queda de nossos pais, tão expressiva na narrativa alegórica do livro dos gêneses. Deus experimenta um fracasso na criação e sai a procurar o homem e a mulher. “Onde você está?”(Gn 3,9). Desde esse dia Deus nos procura. Na aliança com Israel  Deus amarga de novo um fracasso. “Eu dizia. ‘eis-me aqui, eis-me aqui!’ a um povo que não invoca meu nome”( Is 65,1), e ainda: “Meu povo ouve minha voz, Israel não quer saber de mim... Ah, se meu povo me escutasse!” ( Sl 81,12.14). Seria ousadia falar também de um fracasso na redenção?  “ Ele estava no mundo... mas o mundo não o reconheceu. Veio para o que era seu e os seus não o receberam” ( Jo 1,10-11). Não é uma verdade ainda para hoje?  Jesus não continuaria a chorar sobre Jerusalém do mundo? “ E, como estivesse perto de Jerusalém, Jesus viu a cidade e chorou sobre ela, dizendo: ‘Ah! Se neste dia também tu conhecesses a mensagem de paz!...  não reconheceste o tempo em que foste visitada!”( Lc 19, 41.44b).

Falar de um Deus sofredor pode soar como um escândalo para a razão. Se Deus existe, Ele existe sofrendo de um sofrimento de amor. Um sofrimento assim de Deus e em Deus não pode ser compreendido como imperfeição, mas como a perfeição mesmo, seu ato puro, isto é, o amor. E o amor é tanto gozo e alegria, como também é dor e sofrimento. Deus sofre!

Sejamos como Deus, sensível, solidário e salvação para com os sofredores. Se sou eu e você a sofrer agora, sintamos sua ternura, carinho, afago e consolação.

Fabio dos Santos é presbítero, membro da Comissão de Justiça e Paz, coordenador da Comissão para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-religioso na Arquidiocese de Olinda e Recife e capelão da igreja Nossa Senhora da Assunção das Fronteiras.


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