Marcelo Barros
A
ONU proclama o dia 22 de março como dia internacional da água. Cada dia mais é
urgente que a humanidade inteira se dê conta de que a defesa das águas é
intimamente ligada à própria sobrevivência humana e à defesa da vida no
planeta.
No Rio de Janeiro, as pessoas precisam
comprar água mineral para beber e reclamam que a água das torneiras vem com cor
e aparência suspeitas. Os rios, cuja vida, as mineradoras em Minas Gerais e na Amazônia destruíram,
continuam assassinados. Em várias regiões do Brasil, ao mesmo tempo que as
chuvas provocam destruições, a carência de água potável é cada vez mais
sentida. Em várias regiões do mundo, governos mantêm conflitos pelo uso de rios
que banham as fronteiras de dois ou mais países. Cada rio é reivindicado como
propriedade nacional.
Nestes dias, assustados por notícias de
que o Coronavírus se espalha por diversos países do mundo, cientistas começam a
ligar a epidemia que nos ameaça com a destruição da natureza, a poluição das
águas e o desequilíbrio do clima no planeta Terra. Pode ser que o vírus tenha
se espalhado pela poluição das águas.
Os cientistas concordam que a vida surgiu
de dentro das águas. Há milhões e milhões de anos, os seres humanos e os
grandes mamíferos evoluíram de seres aquáticos. A água é bem essencial para a
vida. Não se trata só de recurso econômico e instrumento de poder político. Em
muitas tradições espirituais, a água é sinal e instrumento do amor divino. Alguns
mitos indígenas contam que o primeiro sorriso divino se deu com as águas. A
divindade sorriu de felicidade, quando contemplou a beleza das águas, sua
primeira criação, útero de toda a vida no planeta Terra. Na Bíblia, a criação
de todo o universo começa pelo Espírito Divino que pairava sobre as águas. É
essa ação amorosa divina que está por
princípio (expressão bíblica do Gênesis) e por trás ou no plano mais íntimo
de cada ser criado.
Assim sendo, Deus só pode estar muito
feliz pelo fato da ONU ter consagrado o dia 22 de março como “Dia internacional de proteção e defesa das
águas”. Em outras épocas, não seria necessário dedicar um dia do ano ao
problema da água. Agora, sim. No século XXI, mais de um bilhão de pessoas sofre
carência de água potável e mais de 80% das doenças que, no mundo inteiro,
dizimam crianças e pobres, estão ligadas ao uso de águas poluídas ou impróprias
para o consumo humano. Além disso, em todos os continentes, Organismos
internacionais da ONU e da sociedade internacional civil trabalham para que a água
seja declarada como direito básico universal de todas as pessoas e todos os
seres vivos. A água não poderia jamais ser mercantilizada e vendida como
propriedade privada de multinacionais que a exploram e, através da apropriação
das fontes de água, dominam povos inteiros. Índios e lavradores se reúnem em
conferências regionais para curar a Terra e fazer carinho à Mãe Água. Da
sociedade civil internacional sobe o apelo cada vez maior: vamos libertar a
água da prisão humilhante e indigna da mercantilização e privatização.
Toda pessoa e até todo ser vivo têm
direito de viver e de receber uma cota de água potável e gratuita por dia (50
litros?) para beber, cozinhar e para a sua higiene. As constituições nacionais
da Bolívia e do Equador privilegiam a noção indígena do “bem viver” como meta a qual o Estado e a sociedade civil devem
garantir para todos. A Constituição Bolivariana da Venezuela também defende o
direito universal à Água que não deve ser privatizada, nem vista apenas como
mercadoria.
Para os cristãos, no evangelho, Jesus
proclama: “Se alguém tiver sede, venha a
mim e beba toda pessoa que crê em mim. Como diz a Escritura: do interior do
Messias, jorrarão rios de água viva” (Jo 7, 37- 39). Pela ressurreição, que
celebraremos nesta Páscoa, Jesus derrama sobre nós o seu espírito de amor, como
água que jorra para a vida eterna e nos faz ver em toda a água que existe no
mundo sinal do amor divino.
MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 57 livros publicados. O mais recente é Teologias da Libertação para os nossos dias (Vozes). Email: contato@marcelobarros.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário