Por Marcelo Barros
Anualmente, em março, a Igreja
Católica no Brasil promove a Campanha da Fraternidade, sempre sobre um tema de
relevância para que a sociedade possa ser mais justa e mais igualitária. Também
em março, sempre no dia 08, a ONU celebra o Dia internacional da Mulher. O
objetivo desta comemoração é educar toda a humanidade sobre a necessária
igualdade de direitos e condições entre homem e mulher, no respeito às
diferenças de gêneros e na construção comum de um mundo novo possível.
Entre os diversos assuntos aos
quais a Campanha da Fraternidade se dedicou, no decorrer desses mais de 50
anos, ainda não apareceu o desafio da promoção da igualdade de gêneros. Mesmo
na Igreja Católica, muitos eclesiásticos pensam existir uma ideologia de
gêneros e se colocam contra esse mito. Infelizmente, embora o evangelho de
Jesus tenha como princípio a igualdade absoluta entre homens e mulheres, até
hoje, a Igreja Católica e as Igrejas ortodoxas não se abriram à participação
igualitária da mulher e do homem nos ministérios e nos cargos de maior
responsabilidade na Igreja. Como Igreja é fundamentalmente Igreja local, essa
mudança só poderá ocorrer a partir das bases. E aí sim, as comunidades cristãs
poderão dar um verdadeiro e profundo testemunho do reinado divino que vem a
esse mundo.
É urgente criar no mundo e nas Igrejas uma nova cultura
de inclusão e superar o patriarcalismo e o machismo que fazem mal a todos,
mulheres e homens. Nas sociedades tradicionais da América Latina, o machismo se
infiltrou nas culturas de nossos povos. No entanto, muitas vezes, determinadas
culturas, patriarcais e machistas nas relações afetivas e românticas, em outras
instâncias, são matriarcais. Também o feminismo tem muitas correntes e variações.
Cada uma delas nos chama a atenção para um aspecto da realidade.
Na América Latina, em movimentos
indígenas e camponeses, as mulheres têm sido profetizas do cuidado com a terra,
na relação de amor com a natureza e em propor novas relações no seio da família
e da sociedade. A meta do bem viver tem algo que somente uma justa e profunda
relação de gêneros pode alcançar.
Em todos os países da América
Latina, as taxas de feminicídios, isso é, crimes nos quais mulheres são
assassinadas por serem mulheres, são das mais altas do mundo. Além disso, a
violência cotidiana de mulheres que são agredidas por companheiros ainda é
assustadora. Nos nossos dias, ao vermos filmes e novelas sobre o tempo da
escravidão, nos perguntamos como nossos antepassados puderam conviver com tanta
atrocidade. Sem dúvida, no futuro, quando nossos netos e bisnetos estudarem
como era o mundo em nossa época, vão saber de que lado estávamos nós e o que
fizemos contra esses crimes que ocorrem sob nossos olhos e diante de nossa
consciência. Não vamos poder dizer, como no mito do paraíso perdido, "a serpente nos enganou".
Nessa semana na qual o mundo
inteiro será mais sensibilizado para a causa da mulher e da igualdade de
gêneros, as comunidades cristãs são, especialmente, chamadas a aplicar a
Campanha da Fraternidade de 2020 ao tema da solidariedade à causa da mulher. É
preciso olhar toda a sociedade (não só as mulheres) como ferida pelo
patriarcalismo e compreender a palavra de Jesus: vai e faze o mesmo como o apelo para que olhemos a realidade das
mulheres nos meios em que convivemos, sejamos tomados pela solidariedade
compassiva e juntos, mulheres e homens nos unamos no cuidado com a vida de
todos e da natureza.
MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor.
Tem 57 livros publicados. O mais recente é Teologias da Libertação para os
nossos dias (Vozes). Email: contato@marcelobarros.com
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