Frei Betto
Neste mundo
desprovido de utopia, senso histórico e confiança na representatividade
política, o medo ocupa cada vez mais espaço. As forças conservadoras incutem em
muitos tal insegurança que, como cordeiros a serem tosquiados, aceitam trocar a
liberdade pela segurança. Essa doença tem nome: eleuterofobia, medo de ser
livre. Deixa-se de melhorar a qualidade de vida ou fazer uma viagem de lazer
para manter intocado o dinheiro no banco.
Temos medo do desemprego, da inflação, da recessão. Medo da pandemia. Medo do
governo neofascista. Medo do ódio destilado nas redes digitais. Medo da
velhice. “O medo é uma pressa que vem de todos os lados, uma pressa sem caminho” (Guimarães
Rosa in “Conversa de bois”, Sagarana). A toda hora soa o alarme:
Cuidado! A fera está solta!
Nem sempre
identificamos a fera com nitidez mas, como manada, disparamos em atropelos para
nos afastar o mais possível do seu alcance.
Quem é a fera? É o
“outro”, o imigrante que vem roubar nossos empregos. É o estrangeiro que ameaça
subverter o nosso estilo de vida. É o muçulmano que, por baixo da túnica,
carrega um cinturão de dinamites. É o refugiado que obriga o nosso governo a
desviar recursos para socorrê-lo. É o homossexual encarado como promíscuo. É
quem pensa diferente e cujas ideias nos parecem conter material explosivo...
Assim o medo se
dissemina pelo país. Penetra em nossas casas. Impregna-nos a mente, os olhos,
os ouvidos, o olfato e o paladar. Medo do alimento que engorda, do tabaco que
envenena, da bebida que embriaga. Medo de tudo e de todos. Esquecemos que a
sabedoria recomenda ter medo do medo.
Cresce a síndrome do
medo. Isso vale para Rio, São Paulo, Nova York, Paris ou qualquer outra
grande cidade. Medo de assalto, o que induz o cidadão a tonar-se
prisioneiro de sua própria casa, trancada a mil chaves, dotada de alarme de
segurança, e quebrada, no visual, pelas
grades que cobrem as janelas.
O medo viaja a bordo
do desconhecido. O porteiro do prédio deve exigir identificação, o nome é
anunciado por interfone, o visitante conferido pelo olho mágico e, por fim, as
fechaduras, de roliças chaves dentadas, abertas uma a uma.
Doença da moda é a
agorafobia - medo de lugares públicos. Teme-se que a praça esconda ladrões
atrás das árvores, e crianças pedintes se transformem em perigosos assaltantes
ao se aproximar do carro. Aumenta o número de pessoas que preferem não sair à
noite, jamais usam joias e entram em pânico se alguém se dirige a elas para
perguntar onde fica tal rua. O homem é, enfim, o lobo do homem. "Quem
vive sob o domínio do medo nunca será livre", dizia Horácio.
De onde vem tanto
medo? Da sociedade que nos abriga, marcada por desigualdade e preconceitos. Se
não somos iguais em direitos e nas mínimas condições de vida, por que se
espantar com reações diferentes? Como exigir polidez de um homem que sente na
pele a discriminação racial e, na pobreza, a social? Como esperar um sorriso de
uma criança que, no barraco em que mora, vê o pai desempregado descarregar a
bebedeira na surra que dá na mulher? A discriminação humilha, e a humilhação
gera ressentimento, amargura e revolta.
O medo decorre
também das autoridades civis e religiosas que, na falta de argumentos,
atemorizam com ameaças, bravatas, terrorismo psicológico, evocações do demônio
e do inferno.
O contrário do medo
não é a coragem, é a fé. Não apenas religiosa, mas cívica, política, utópica.
Acreditar que o futuro pode ser melhor e diferente. E começar, hoje, a semear
os bons frutos a serem colhidos no futuro.
Frei Betto é escritor, autor de “Espiritualidade,
amor e êxtase” (Vozes), entre outros livros. Livraria virtual:
freibetto.org
Frei
Betto é autor de 70 livros, editados no Brasil e no exterior. Você poderá
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