Marcelo Barros
Em nossos dias, em todas as religiões, existem
movimentos tradicionalistas que reagem a mudanças e insistem na fidelidade à
tradição que consideram inamovível. Apesar disso, Igrejas e religiões são
chamadas a repensar a sua função na construção de um mundo de paz e de justiça
eco-social. Pela primeira vez na
história, na Igreja Católica, um papa enfrenta oposição declarada. Esta
oposição não parte de inimigos da fé. Vem de cardeais, bispos e padres, assim
como de grupos da própria Igreja.
O papa fundamenta suas propostas na mais antiga tradição
cristã. Há 60 anos, o papa João XXIII propunha que, como critérios para sua
renovação, a Igreja tomasse dois princípios: volta às fontes e atualização. É
neste espírito que o papa Francisco procura revalorizar as Igrejas locais e
reforçar a sinodalidade. Era a forma de organização social que caracterizou as
Igrejas cristãs nos séculos antigos. Na língua grega, o termo Sínodo significa
“caminhar juntos”. A partir da Idade Média, ao se inserir nas estruturas do
poder político, a Igreja se tornou hierárquica e piramidal.
Agora, no
primeiro domingo de outubro, o papa iniciou o processo preparatório para um
novo Sínodo mundial com o tema: “Por uma
Igreja Sinodal: comunhão, participação e missão”. Para isso, propõe para
esta primeira etapa, um processo de consulta e diálogo a partir das Igrejas
locais. Depois, um segundo momento reunirá as propostas de cada continente. Finalmente,
em 2023, o evento do Sínodo em Roma reunirá bispos e representantes vindos de
todo o mundo para organizar as propostas recolhidas e efetivar as conclusões
aprovadas.
O papa declarou que o caminho da sinodalidade é o que
Deus espera da Igreja neste terceiro milênio de sua existência. A sinodalidade
não é apenas o tema particular deste sínodo. Deve ser o próprio jeito da Igreja
ser, em sua natureza e na sua missão. Supõe escuta do Espírito de Deus que fala
pelas pessoas e comunidades e nos abre ao diálogo com o diferente na comunidade
e no mundo. O papa pede que, nesse processo, sejam escutadas não apenas as
pessoas que pertencem às comunidades, mas mesmo gente de fora e categorias
normalmente excluídas pelas Igrejas e pela sociedade.
O tempo é curto e, até aqui, a abertura para a escuta
e o diálogo não faz parte da cultura eclesial. A sinodalidade é, por natureza,
um processo horizontal. As estruturas eclesiásticas ainda se movem de forma
vertical.
Através desse processo, o papa retoma as intuições do
Concílio Vaticano II sobre a Igreja como povo de Deus, no qual todos e todas
exercem um sacerdócio real, baseado no batismo e a própria hierarquia não está
acima dos outros e sim faz parte do mesmo discipulado. Ele espera envolver as
114 conferências episcopais de rito latino, o Conselho dos Patriarcas Católicos
do Oriente, os seis sínodos patriarcais
de Igrejas orientais e cinco conferências episcopais dos diferentes
continentes.
Antigos pastores cristãos diziam que a Igreja deveria
se organizar como parábola e ensaio para o mundo novo, construído como Deus
gostaria que este fosse. Em nossos dias, a sociedade civil internacional está
buscando novas formas de organizar a Política e a Economia. A humanidade mais
consciente sabe que países ricos acumulam vacinas e não sabem o que fazer com
lotes cuja validade está para vencer. Enquanto isso, em toda a África, só 4%
das pessoas têm acesso a vacinas e há países nos quais nem 2% da população está
vacinada.
As Igrejas cristãs devem ser espaços de diálogo e de
comunhão organizados de forma sinodal para ensaiar um mundo no qual se consiga democratizar
radicalmente a democracia e se coloque a economia e a organização social a
serviço da vida para todos e todas.
Marcelo
Barros, monge beneditino e escritor, autor de 57 livros dos quais o mais
recente é "Teologias da Libertação para os nossos dias", Ed. Vozes,
2019. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário