por Maria Clara Lucchetti Bingemer
Nunca
soube que existisse o Dia do filósofo. Descobri recentemente, quando soube que
no dia 16 de agosto festejam-se aqueles e aquelas que escolheram em suas vidas
amar a Sabedoria. Sim, pois é isso que, no grego, significa a palavra
filosofia: amor pela sabedoria.
A origem da
palavra está na Antiga Grécia, berço da civilização ocidental, onde, em meio à
riquíssima mitologia que povoava o panteão de deuses e deusas, alguns começaram
a perguntar-se: Quem sou eu? De onde vim e para onde vou? Qual a origem do
mundo?
Interpretada
comumente como o marco do fim da era do mythos, com o apogeu do logos e da
razão, a filosofia, na verdade, desde o início conjugou ambos. Suas
origens se encontram em uma interpretação des-sacralizada dos mitos
cosmogônicos, difundidos pelas diversas religiões. Para os que desejariam
uma filosofia completamente “vacinada” contra o mito, aí está uma pedra de
tropeço intransponível.
Segundo Aristóteles e Platão, a matéria inicial da reflexão dos filósofos foram
os mitos. Estes se tornaram campo comum da reflexão da religião e da
filosofia, revelando que a pretensa separação entre esses dois modos de o ser
humano interpretar a realidade não é tão nítida como aparentemente se julga.
Nem só razão nem
só mitologia, diz a amiga sabedoria que já desde o tempo de Tales de Mileto,
5000 anos antes de Cristo, nos ensina que o mundo está cheio de deuses. E
Platão viria a ser aquele que encontrou a raiz de seus mais belos pensamentos
pela meditação dos mitos. Para a filosofia antiga, portanto, o mito dá o
que pensar, provoca a razão e a faz produzir sabedoria. A meditação e a
interpretação dos mitos serão, então, o que conduzirá o filósofo em sua
busca da verdade.
Pois
disso se ocupa o filosofar: buscar a verdade. Não poderia haver sabedoria
se não houvesse verdade. O bom e o belo são outros nomes da
verdade. Verdade que não se rende ao pensamento humano com a evidência
laboratorialmente controlada do empirismo, mas vai des-velando seus segredos
com o exercício espiritual da busca atenta e amante da filosofia. A filosofia
acaba por ser, assim, a porta de entrada para pensar o mistério.
Ao
pensar os mitos, o filósofo toca na universalidade das intuições e das
experiências ancestrais, referindo a sua pertença comum e originária ao gênero
humano. Por isso, os mitos são lugar privilegiado do enraizamento das
pessoas e dos povos, conectando-os a seu passado. Tornam-se assim o fundamento
da cultura humanista. Contemplando com atenção o mito, o filósofo vai se
aproximando da raiz das recorrências humanas, o que lhe permitirá então tocar
nas essências, elaborar definições, construir sínteses, montar harmoniosas
arquiteturas de conhecimento.
Em
seus tempos iniciais, a filosofia se auto compreendia como responsável por tudo
que era cognoscível e, portanto, passível de ser conhecido. Sob sua égide
repousava o conhecimento humano em todas as suas especialidades, e até hoje a
ela devem sua origem enquanto campos do pensar e do saber: os valores - a
ética; a beleza - a estética; a busca da verdade – a lógica.
O tempo passou, o
mundo mudou e a filosofia também. Fragmentou-se em muitas especialidades
e muitos genitivos. No entanto, ainda é um marco de oposição ao desenraizamento
e à atomização da sociedade moderna, alienada justamente porque perdeu o
contato com o passado, permanecendo degenerada na busca e fixação em ídolos.
Enquanto houver
filósofos apaixonados pela verdade e amigos da sabedoria, podemos ter esperança
em que o que constitui o humano não se perdeu. Por isso, é digno e justo
saudar e louvar aqueles que hoje continuam cultivando essa amizade e esse amor,
impedindo nossa desumanização.
Na próxima terça-feira, 30 de agosto, a partir de 19hm
será lançado, na Livraria Travessa de Ipanema, o livro Fé, justiça e paz –
O testemunho de Dorothy Day(editoras Paulinas e PUC-/Rio), organizado por Maria
Clara Bingemer e Paulo Fernando Carneiro de Andrade.
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