por Marcelo Barros
Nesses
dias, um dos assuntos mais frequentes na imprensa internacional é o Terrorismo.
Ele é apresentado como ações de fanáticos desumanos que atentam criminosamente
contra a civilização. Quem olha de forma mais crítica jamais se colocará do
lado de quem mata inocentes e, seja por qual for a causa, semeia no mundo o
ódio e a violência. No entanto, sabe que não existe um império do bem em luta
contra as forças do mal. Há denúncias sérias e comprovadas de que grupos
terroristas são criados e armados pelo próprio Império norte-americano para se legitimar
e para dar aos governos aliados do Ocidente o pretexto para exercerem maior
controle sobre os cidadãos. Assim, se cria uma situação de insegurança, na qual
a guerra se torna necessária. Afinal, como terroristas de países periféricos
podem ter as armas mais sofisticadas? Quem os assessora em técnicas de guerra
que só governos e empresas do mundo rico conhecem?
Atualmente,
a opinião pública liga qualquer ato terrorista com o que se convencionou chamar
de Estado Islâmico (EL). De fato, o EL nem é Estado, nem é islâmico. Prisioneiros
que dele escaparam com vida afirmaram que seus militantes não conhecem e não
praticam o Islamismo.
Pelo fato
de lidar com as pulsões mais íntimas do ser humano e buscar resposta para as
questões mais profundas da vida, toda religião mal compreendida pode se
transformar em fanatismo e gerar atitudes violentas. Os fundamentalismos são
movimentos religiosos que se colocam contra quaisquer formas novas de
interpretar a fé. O fundamentalismo surgiu no início do século XX, em meios
cristãos evangélicos dos Estados Unidos e até hoje, em todo o mundo, os Estados
Unidos são o centro no qual o fundamentalismo é mais forte. Ali, em pleno
século XXI, nas universidades, professores e estudantes ainda se dividem entre
evolucionistas e os tais criacionistas que creem que a criação do mundo ocorreu
conforme o relato da Bíblia, lido ao pé da letra.
Em 2002, diante
de milhões de telespectadores, o presidente dos EUA afirmou que, naquela noite,
Deus Pai lhe tinha ordenado invadir o Iraque. E assim foi feito com as
consequências que o mundo inteiro vê até hoje.
No mundo
atual existem grupos fundamentalistas judeus, cristãos, budistas e também
muçulmanos. Embora o termo fundamentalista seja sempre ocidental e uma forma
ocidental de julgar, existe um radicalismo islâmico que justifica, em nome de
Deus, a violência simbólica e mesmo física, quando necessária. A maioria desses
grupos radicalistas justifica a pena de morte. No entanto, normalmente, não praticam
o terrorismo como meio para impor suas ideias.
No mundo
atual, o terrorismo de grupos marginais parece se multiplicar como reação a um
mundo organizado de forma cruel e injusta, no qual 62 indivíduos possuem uma riqueza
correspondente à metade da humanidade. Se somarmos todas as vítimas do
terrorismo no mundo, nem de longe se aproximam do número de crianças e pessoas
idosas que a, cada dia, morrem de desnutrição e fome, provocadas por esse
sistema. Menos ainda se juntarmos a esse número, as vítimas das invasões e
guerras preventivas realizadas pelos governos ocidentais. Já em 1968, os bispos
católicos da América Latina, reunidos na sua 2a conferência geral, em Medellín,
Colômbia, chamaram atenção para o que chamaram de "injustiça
institucionalizada". É isso que torna o mundo mais inseguro e violento. É
isso que, de forma lamentável, acaba legitimando os atos terroristas.
Embora os
fanáticos não saibam fazer essa distinção, o que os grupos radicais ligados ao
Islamismo odeiam não é o Cristianismo das comunidades ou a fé cristã como
aparece na Bíblia e sim a Cristandade. Essa é o regime social e político que, desde
o século XVI, legitimou os impérios do Ocidente e sempre se colocou do lado dos
conquistadores. Na invasão dos países da África e Ásia, os missionários sempre estavam
ao lado dos soldados. Os alvos principais dos grupos terroristas são países
europeus que colonizaram de forma violenta países da África e da Ásia e até
hoje mantêm políticas de tipo imperialista. Nesse ano, quem mais sofreu
atentados foi a França, que mantém operações militares na Síria, Iraque e Mali,
além de ser o país europeu que abriga o maior contingente de migrantes de
cultura islâmica. Eles, juridicamente são cidadãos franceses, mas sofrem
diariamente consequências do forte racismo da sociedade francesa de origem e
vivem em periferias pobres, confinados em verdadeiros guetos. Muitos jovens que
partem para pertencerem ao EL são oriundos dessa população marginalizada e
discriminada pelos franceses. Sem dúvida, têm havido ataques terroristas em
outros países e mesmo em cidades como Kabul e Bagdá. No entanto, por trás de
cada um desses atos está sempre a revolta generalizada contra o Ocidente, identificado
como "cristão".
O remédio
contra o terrorismo jamais será entrar na mesma lógica e responder ao
terrorismo de grupos fanáticos com terrorismo de um Estado dominador que se
pretende impor pelas armas. O mundo só terá paz quando, como canta o poeta Zé
Vicente: "as armas da destruição foram destruídas, as mesas se encherem de
pão e tombarem as cercas que fecham os jardins. Aí o dia da paz renascerá nos
corações e na vida de todos os seres humanos".
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.
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