Por Maria
Clara Lucchetti Bingemer
Dizia o grande mestre
espiritual Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus, que os
exercícios corporais e espirituais contêm em si uma profunda e positiva
analogia. Assim podemos ler o que escreve no primeiro parágrafo do
livrinho dos Exercícios Espirituais, seguramente o mais importante manual de
espiritualidade da história do cristianismo.
“ Primeira Anotação. Por
este nome, exercícios espirituais, entende-se todo o modo de examinar a
consciência, de meditar, de contemplar, de orar vocal e mentalmente, e de
outras operações espirituais, conforme adiante se dirá. Porque, assim como
passear, caminhar e correr são exercícios corporais, da mesma maneira todo o
modo de preparar e dispor a alma, para tirar de si todas as afeições
desordenadas e, depois de tiradas, buscar e achar a vontade divina na
disposição da sua vida para a salvação da alma, se chamam exercícios
espirituais.”
Com esta concepção do ser
humano como ser em movimento, ser dinâmico, que só cresce e se realiza no bojo
do exercício que o faz movimentar e exercitar o corpo e o espírito, Santo
Inácio nos presenteia com uma revolucionária e muito atual visão
antropológica. O ser humano não é um corpo de morte decaído e fadado à
destruição com uma alma imortal. Não. O ser humano é um corpo
animado pelo Espírito divino. E esse conjunto harmonioso e transcendente
criado por Deus deve exercitar-se sob pena de esclerosar-se e fracassar nas
metas mais importantes de sua vida.
Igualmente, em tempos de
Olimpíada, quando os olhos do mundo inteiro se voltam para a Cidade
Maravilhosa, o Rio de Janeiro, vemos que o que esta secular competição nos traz
não é apenas uma mensagem centrada no desempenho corporal, na eugenia e na
estética dos corpos desvinculados de subjetividade e interioridade.
Pelo contrário, ao
contemplar a maravilha dos atletas que se prepararam durante meses e anos para
enfrentar as provas, podemos ver igualmente atletas do espírito, que
renunciaram a muitos prazeres e alegrias, legítimas ou não tanto, para poder
dedicar-se inteiramente àquilo a que se propõem. E alguns deles e delas
integram o mesmo amor e dedicação exercitando o corpo e o espírito, estejam ou
não vinculados a alguma religião ou igreja.
Assim é que a superginasta
Simone Biles, que já se comenta que superará a até então insuperável e mítica
Nadia Komaneci, treina desde pequena com uma disciplina inquebrantável,
acompanhada da reza do terço e da frequência à missa. Católica, Simone
Biles confessa que a fé é uma das únicas constantes em sua vida atribulada, ao
lado do esporte que é sua paixão. Criada pelos avós, Simone os chama de
pai e mãe, e vai com eles à missa. Carrega consigo um terço branco que,
esclarece, não é para rezar antes da prova, mas na vida de todo dia.
Também os atletas
estadunidenses David Boudia e Steele Johnson ganharam medalha de prata na
plataforma de dez metros da natação ornamental masculina. Após a prova,
rezaram juntamente com o treinador e a cena foi transmitida ao vivo pela mídia.
E testemunharam que a fé os mantém conectados à Terra, independente do êxito
olímpico. E a fé de ambos é saber que sua identidade se encontra em
Cristo.
O grande tenista Juan
Martin del Potro, um homem de profunda fé, considera o encontro com o Papa
Francisco um momento único que jamais esquecerá. Porém sua fé, Del Potro
a demonstrou mesmo na quadra, após a luta com o pulso quebrado, as cirurgias
que teve de fazer e o cansaço até a exaustão para chegar a uma prata que
equivale a ouro. O abraço fraterno e emocionado no inglês campeão do
tênis nestas Olimpíadas, Andy Murray, mostrava ao mundo que para além das
Malvinas ou das Falklands, guerra que já dividiu os dois países, ocasionando a
morte de mil jovens argentinos, a fraternidade e o espírito de respeito e amor
ao outro é possível.
Mencionamos aqui três
atletas cristãos. Mas os há de várias religiões e mesmo sem religião, mas
com profunda abertura para a transcendência e a espiritualidade. Por isso
mesmo, os jogos olímpicos no Rio de Janeiro contam com um centro
inter-religioso, onde atletas e treinadores podem desfrutar de momentos para
meditar, fazer preces e celebrações. O cardeal do Rio, Dom Orani Tempesta,
declarou: “É muito bom ver o Rio de Janeiro como um povo acolhedor, onde
as religiões se entendem”. E o capelão judeu para os atletas olímpicos, o rabino
Elia Haber, comentou: “Esperamos conseguir prover este balanço entre o
físico e o espiritual. É muito importante para o atleta trabalhar isso”.
Neste momento, atletas
somos todos, concentrados que estamos nesta bela experiência de sediar os jogos
olímpicos. Já vemos que se trata de algo que abre para além de esforços
físicos e treinamentos exaustivos, embora estes sejam parte constitutiva das
provas. Como nos relembra Santo Inácio, o verdadeiro jogo é a vida e nela
há que exercitar constantemente corpo e espírito, integrados em harmoniosa
síntese que visibiliza no mundo o sonho de Deus para a humanidade.
Maria
Clara Lucchetti Bingemer é professora do Departamento de Teologia da
PUC-RJ A teóloga é autora de “Simone Weil – Testemunha da paixão e da
compaixão" (Edusc)
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