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segunda-feira, 15 de agosto de 2016

OLIMPÍADA: PALAVRA FEMININA


 Por Maria Clara Lucchetti Bingemer 



            Foi muito bonita a festa de abertura da Olimpíada.  Isso é o mínimo que se pode dizer.  Quando Paulinho da Viola, com sua voz pequena e perfeita, entoou, ao som do violão, o Hino Nacional o coração quase não aguentou.  Que beleza!  Como precisávamos dessa beleza associada à doçura, em um momento tão difícil como o que vivemos! O que se seguiu confirmou nosso deslumbramento.  Um show de criatividade, competência, bom gosto... O coração cheio de orgulho de constatar que quando queremos, podemos e fazemos.

            Resgato um dos pontos altos dessa abertura: o desfile de Gisele Bündchen ao som de “Garota de Ipanema”.  De certa maneira, sinto que aquilo marcou a nossa Olimpíada com o selo da feminilidade.  La Bündchen atravessando sua mais longa passarela com aquela beleza toda, aquela dignidade, aquele porte impecável das pampas sulinas nossas, muito nossas, encheu o Maracanã de um perfume de mulher que deveria se prolongar ao longo dos dias iniciais das provas esportivas cariocas.  O que começou a acontecer nos dias seguintes, a meu ver, confirma isso.

            Primeiro foi o futebol, xodó e paixão do povo brasileiro.  Pois não é que o futebol feminino anda brilhando, enquanto o masculino, com Neymar e tudo, já viu dias melhores? Com Marta e outras muitas, as meninas parecem ter fogo no pé e chutam a gol com garra e determinação. E isso já gera comentários, piadas e até mesmo memes nas redes sociais.  Futebol deixou de ser coisa de homem, ao menos em termos de exclusividade.  As meninas jogam muito e o povo corresponde a sua dedicação com torcida, aplausos e carinho. E não falamos apenas do Brasil.  É impressionante a quantidade e a qualidade dos times de futebol feminino que vieram do mundo inteiro ao Rio de Janeiro.  Viva elas!

            Depois saímos do Brasil e vamos até a Síria e sua terra arrasada por uma guerra cruel e injusta e pelo êxodo de quantidades cada vez maiores de sua população. Yusra Mardini, uma bela jovem síria, de 18 anos, competiu no nado borboleta. Ela não se classificou para a semifinal, mas foi ovacionada pela plateia que acompanhava a prova no Centro Aquático Olímpico, no Rio de Janeiro. Na minha opinião, a classificação não era necessária, pois a vitória já fora alcançada por Yusra há um ano, quando ela e membros de sua família deixaram a Síria em direção à Europa em um bote inflável. 

 Quando o barco parou, Yusra e sua irmã jogaram-se ao mar e, nadando durante três horas na água fria, conseguiram levar o bote até terra firme, salvando a vida de 20 pessoas.  Após atravessar a pé a Europa, Yusra chegou a Londres, onde conseguiu inscrever-se para a prova, ficando em 41º lugar entre 100 concorrentes. Atleta do esporte e sobretudo da vida, o futuro é sem limites para a natação de Yusra, que com seu belo sorriso, estará de volta na próxima Olimpíada, com certeza.

            E finalmente a judoca brasileira Rafaela, da Cidade de Deus, Rio de Janeiro.  Menina pobre, determinada.  Seu sobrenome é Silva, o mais simples e corriqueiro dos nossos sobrenomes.  O Brasil inteiro levantou-se e gritou de alegria quando a afrodescendente Rafaela subiu ao pódio e recebeu a medalha de ouro ao redor de seu pescoço e no peito. Que beleza, menina!  Valeu a pena todo o esforço, a superação dos obstáculos aparentemente intransponíveis, as desclassificações anteriores.  Valeu a pena a pobreza suportada e o sonho mais que vivo.  Valeu a pena a dedicação e a fé.  Valeu, Rafaela!  Você é ouro, você é de ouro!

            Que me perdoe o barão de Coubertin, criador dos Jogos Olímpicos da era moderna, que era contra a presença de mulheres nas provas olímpicas e que em 1928 teve que demitir-se do cargo de presidente de honra do Comitê Olímpico Internacional.  Para ele, a presença de mulheres traía o ideal olímpico.  Na Rio 2016, olimpíada em que se registra o maior número de mulheres de todos os tempos, são elas que brilham.  Brilham desde sua condição de mulher.  Trazem na bagagem sofrimentos e dificuldades muitas devidas ao fato de serem mulheres e teimosamente haverem querido entrar em um campo considerado apropriado apenas para homens.

            Como sempre têm feito as mulheres, elas desejaram um espaço, prepararam-se e o ocuparam com competência.  Agora, não apenas contam com especialidades apenas delas, como o nado sincronizado e a ginástica artística, como entram em disputas junto com os homens, ao seu lado ou em times à parte.   De Gisele Bündchen a Rafaela, passando pelas jogadoras de futebol e pela heroica menina síria, o perfume de mulher continua impregnando de delicioso aroma essas Olimpíadas, fazendo-as mais bonitas, levantando alto a bandeira da igualdade de direitos.

            Obrigada, meninas!  Valeu muito!  Vocês ainda não fazem ideia de quantas portas estão abrindo com sua coragem, destreza e desempenho.  Deus as abençoe!

  MARIA CLARA LUCCHETTI é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rj.  A teóloga é autora de "O  mistério e o mundo -  Paixão por  Deus em tempo de descrença", Editora  Rocco. 

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