Por Maria Clara
Lucchetti Bingemer
Foi muito bonita a festa de abertura da Olimpíada. Isso é o mínimo que se
pode dizer. Quando Paulinho da Viola, com sua voz pequena e perfeita,
entoou, ao som do violão, o Hino Nacional o coração quase não aguentou.
Que beleza! Como precisávamos dessa beleza associada à doçura, em um
momento tão difícil como o que vivemos! O que se seguiu confirmou nosso
deslumbramento. Um show de criatividade, competência, bom gosto... O
coração cheio de orgulho de constatar que quando queremos, podemos e fazemos.
Resgato um dos pontos altos dessa abertura: o desfile de Gisele Bündchen ao som
de “Garota de Ipanema”. De certa maneira, sinto que aquilo marcou a nossa
Olimpíada com o selo da feminilidade. La Bündchen atravessando sua mais
longa passarela com aquela beleza toda, aquela dignidade, aquele porte
impecável das pampas sulinas nossas, muito nossas, encheu o Maracanã de um
perfume de mulher que deveria se prolongar ao longo dos dias iniciais das
provas esportivas cariocas. O que começou a acontecer nos dias seguintes,
a meu ver, confirma isso.
Primeiro foi o futebol, xodó e paixão do povo brasileiro. Pois não é que
o futebol feminino anda brilhando, enquanto o masculino, com Neymar e tudo, já
viu dias melhores? Com Marta e outras muitas, as meninas parecem ter fogo no pé
e chutam a gol com garra e determinação. E isso já gera comentários, piadas e
até mesmo memes nas redes sociais. Futebol deixou de ser coisa de homem,
ao menos em termos de exclusividade. As meninas jogam muito e o povo
corresponde a sua dedicação com torcida, aplausos e carinho. E não falamos
apenas do Brasil. É impressionante a quantidade e a qualidade dos times
de futebol feminino que vieram do mundo inteiro ao Rio de Janeiro. Viva
elas!
Depois saímos do Brasil e vamos até a Síria e sua terra arrasada por uma guerra
cruel e injusta e pelo êxodo de quantidades cada vez maiores de sua população.
Yusra Mardini, uma bela jovem síria, de 18 anos, competiu no nado borboleta.
Ela não se classificou para a semifinal, mas foi ovacionada pela plateia que
acompanhava a prova no Centro Aquático Olímpico, no Rio de Janeiro. Na minha
opinião, a classificação não era necessária, pois a vitória já fora alcançada
por Yusra há um ano, quando ela e membros de sua família deixaram a Síria em
direção à Europa em um bote inflável.
Quando o barco parou, Yusra e sua
irmã jogaram-se ao mar e, nadando durante três horas na água fria, conseguiram
levar o bote até terra firme, salvando a vida de 20 pessoas. Após atravessar
a pé a Europa, Yusra chegou a Londres, onde conseguiu inscrever-se para a
prova, ficando em 41º lugar entre 100 concorrentes. Atleta do esporte e
sobretudo da vida, o futuro é sem limites para a natação de Yusra, que com seu
belo sorriso, estará de volta na próxima Olimpíada, com certeza.
E finalmente a judoca brasileira Rafaela, da Cidade de Deus, Rio de
Janeiro. Menina pobre, determinada. Seu sobrenome é Silva, o mais
simples e corriqueiro dos nossos sobrenomes. O Brasil inteiro levantou-se
e gritou de alegria quando a afrodescendente Rafaela subiu ao pódio e recebeu a
medalha de ouro ao redor de seu pescoço e no peito. Que beleza, menina!
Valeu a pena todo o esforço, a superação dos obstáculos aparentemente
intransponíveis, as desclassificações anteriores. Valeu a pena a pobreza
suportada e o sonho mais que vivo. Valeu a pena a dedicação e a fé.
Valeu, Rafaela! Você é ouro, você é de ouro!
Que me perdoe o barão de Coubertin, criador dos Jogos Olímpicos da era moderna,
que era contra a presença de mulheres nas provas olímpicas e que em 1928 teve
que demitir-se do cargo de presidente de honra do Comitê Olímpico
Internacional. Para ele, a presença de mulheres traía o ideal
olímpico. Na Rio 2016, olimpíada em que se registra o maior número de
mulheres de todos os tempos, são elas que brilham. Brilham desde sua
condição de mulher. Trazem na bagagem sofrimentos e dificuldades muitas
devidas ao fato de serem mulheres e teimosamente haverem querido entrar em um
campo considerado apropriado apenas para homens.
Como sempre têm feito as mulheres, elas desejaram um espaço, prepararam-se e o
ocuparam com competência. Agora, não apenas contam com especialidades
apenas delas, como o nado sincronizado e a ginástica artística, como entram em
disputas junto com os homens, ao seu lado ou em times à parte. De
Gisele Bündchen a Rafaela, passando pelas jogadoras de futebol e pela heroica
menina síria, o perfume de mulher continua impregnando de delicioso aroma essas
Olimpíadas, fazendo-as mais bonitas, levantando alto a bandeira da igualdade de
direitos.
Obrigada, meninas! Valeu muito! Vocês ainda não fazem ideia de
quantas portas estão abrindo com sua coragem, destreza e desempenho. Deus
as abençoe!
MARIA
CLARA LUCCHETTI é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rj. A teóloga é autora de "O mistério e
o mundo - Paixão por Deus em tempo de descrença", Editora
Rocco.
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