Frei Betto
Mantova é a cidade italiana na qual nasceu o poeta Virgílio, no ano 70 a.C.
Isso já justificaria o fato de ser considerada a capital italiana da cultura.
Aqui, Verdi ambientou sua ópera Rigoletto, inspirada em um conto de
Victor Hugo.
Há vinte anos Mantova promove, anualmente, o Festival de Literatura. Fui
convidado, pela primeira vez, em 2012, quando dividi a mesa, sobre literatura
latino-americana, com Eduardo Galeano.
Este ano a cidade-ilha, cercada por quatro lagos formados pelas águas do rio
Mincio, quase duplica a sua população de 60 mil habitantes entre os dias 7 e 11
de setembro. Todos parecem interessados em escutar escritores e artistas
provenientes de inúmeros países dos cinco continentes.
O tema de 2016 é meio ambiente e migração. Só na primeira semana de setembro
chegaram à Itália, pelas águas do Mediterrâneo, três mil refugiados. Muitos
fogem de conflitos armados, enquanto outros foram expulsos de suas terras pela
degradação ambiental que transforma florestas em desertos.
Os debates com os autores ocorrem simultaneamente em vários pontos da cidade
durante doze horas, das dez da manhã às dez na noite. Em geral, cobra-se, de
cada interessado, 6 euros, o equivalente a R$ 21. Há, entretanto, diversas
atividades literárias gratuitas, às quais se somam mostras de cinema,
exposições de pintura, apresentações musicais, e até um curioso desfile de moda
intitulado Biblioteca Elegante.
Minha apresentação ocorreu na manhã de quinta, 8 de setembro. A moderadora da
mesa era Rosa Miriam Elizalde Zorrilla – uma vaticanista cubana! Não me
surpreendi e brinquei com o público: “Considerando que, em poucos anos, Cuba
mereceu quatro visitas papais, atualmente é mais fácil encontrar o papa em
Havana do que em Roma.”
Discorri sobre os documentos do papa Francisco, como a encíclica Laudato
Si (O cuidado de nossa casa comum) que trata da relação entre
devastação ambiental e pobreza. O pontífice sublinha que são os pobres as maiores
vítimas de uma equivocada concepção de desenvolvimento, que compromete a
sustentabilidade do planeta e, em sua voracidade de acumulação de lucro, causa
profundos danos à mãe Terra.
Na véspera, assisti a um interessante debate entre Domenico de Masi (de malas
prontas para retornar ao Brasil) e Christiane Taubira. Nomeada ministra da
Cultura da França por François Hollande em 2012, ela conseguiu a aprovação da
lei que reconhece os matrimônios homossexuais, mas renunciou, em janeiro deste
ano, quando o presidente francês introduziu na reforma antiterrorista a
revogação da cidadania de todos os condenados por terrorismo.
Frei Betto
é escritor, autor do romance policial “Hotel Brasil” (Rocco), entre outros
livros.
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