Por Maria Clara Bingemer
Com certeza este foi
um aniversário que o Ocidente não gostaria de ter celebrado: domingo, 11 de
setembro de 2016. Neste dia, há quinze anos, o mundo se viu mergulhado no
horror dos acontecimentos de Nova York e Washington, com as torres gêmeas do
World Trade Center derrubadas, o Pentágono atacado e milhares de vítimas
soterradas sob escombros da capital do ''glamour'', do consumo e da estética.
O que se seguiu
àquele 11 de setembro e continua até hoje tampouco é digno de celebração.
Após os terríveis estragos provocados pela violência em seu país, vimos as
tropas americanas - numa ação que não devia ser mais que policial - semear a
retaliação e a vingança do outro lado do mundo. O que houve apresentou
abundância de efeitos colaterais indesejados, sendo o único triunfo a festejar
a queda do regime autoritário do Talibã.
O Oriente Médio, que
irrompeu no coração do Ocidente de forma violenta e mortal, transformou-se em
um barril de pólvora e de horror. A violência que explodiu aqui deste
lado do hemisfério continua a exercer sua dinâmica mortal do lado de lá. Países
inteiros são destruídos pelas bombas e armas das potências ocidentais. Ao
mesmo tempo, as investidas dos radicalismos fanáticos de 15 anos atrás parecem
brincadeira de criança perto dos horrores perpetrados pelo ISIS ou Estado
Islâmico. A mídia e as redes sociais transformaram-se em palcos onde o
horror das execuções é exibido para quem quiser assistir.
A Europa amarga o
fruto apodrecido do terror. Milhares de migrantes chegam às suas costas
diariamente. Atravessam países e continentes fugindo de uma guerra que não é
deles, em busca de melhores condições de vida. Muitos morrem na
tentativa, tragados pelas águas do mar Mediterrâneo, convertido em imenso
cemitério líquido. Os rostos das crianças nos olham todos os dias
aterrorizados, perplexos, mudos de espanto. Ou então fechados para sempre
como os do pequeno Aylan Kurdi, que aportou morto nas praias da Turquia.
Há 15 anos, o
dia 11 de setembro ocupa a mídia, que esquadrinha sem cessar aqueles terríveis
acontecimentos de quinze anos atrás. Tenta-se entender e analisar suas causas,
seu significado, seus horrendos efeitos. No entanto, a celebração deste macabro
aniversário parece se impor como constatação do diabólico processo da
violência, que qual uma espiral auto reprodutiva vai gerando mais e mais
violência. É indispensável perceber sua deprimente inutilidade.
Desde os tempos
bíblicos, a humanidade administra mal seus conflitos, acreditando que revidar a
violência com violência é uma solução adequada para defender a vida. A própria
Bíblia, por outro lado, revela a percepção do ser humano de que tal
procedimento só faz aumentar as proporções da força predatória da morte. E por
isso procura salvar a vida, que pode esvair-se sob o império da violência.
Para as religiões
semitas monoteístas, a vida de todo ser vivo está no sangue. E, mesmo se em
algumas delas existiu ou existe a valorização de atos que levam ao derramamento
de sangue (pensemos nos mártires cristãos dos primeiros séculos), isso pode ser
interpretado pelo entendimento de que o sangue, enquanto vida, é no homem um
elemento divino. O que expia é o sangue, mas o sangue expia porque é a vida. E
se, religiosamente, se considerou ou se considera o derramamento de sangue
participação na santidade de Deus, o que move essa concepção é o respeito pela
vida.
Quando o sangue de
uma pessoa é derramado, sua vida se acaba, pois a vida está no sangue. E em
nenhum lugar dos três livros sagrados das religiões monoteístas - Judaísmo,
Cristianismo e Islamismo - é dito ser lícito derramar sangue humano. A vida é
um dom de Deus, por isso ninguém pode derramar o sangue de outra pessoa. E nem
tirar a própria, como acontece nos tristíssimos episódios de homens e mulheres
bombas que se explodem e a outros, banhando o espaço ao redor de si de sangue
vital. O que é santo e digno de respeito é a vida. O desprezo pela vida é,
portanto, a raiz de toda violência. A vida aí entendida como o que se recebe e
o que se dá. Na raiz de toda violência está uma recusa de receber e de dar, em
nível pessoal, comunitário e social.
Nestes dias que se
seguem ao aniversário mais triste que a humanidade já celebrou nos últimos
tempos, e quando os olhos aterrorizados do mundo se voltam para a Europa, que
delibera se fecha ou abre as portas para que mais migrantes entrem; quando
países inteiros, como a Síria, jazem destruídos e reduzidos a pó, escombros e
sangue; quando as nações ricas e poderosas escolhem como caminho aumentar a
quantidade de bombas e armas letais atiradas nos países mais fracos do Oriente
Médio, é preciso que nosso coração não se torne indiferente e não remova de si
a compaixão. É preciso que nossas energias se voltem para esse difícil
aprendizado de dar e receber a vida, que é frágil apesar de bela e santa, e
portanto precisa ser cuidada com desvelo.
Fé, justiça e paz –
O testemunho de Dorothy Day (editoras Paulinas e PUC-/Rio), organizado por
Maria Clara Bingemer juntamente com Paulo Fernando Carneiro de Andrade.
Copyright 2016 – MARIA
CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em
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