Por Marcelo
Barros
"As
noites são grávidas e ninguém conhece de antemão o dia que elas poderão
parir". Esse é um provérbio turco que pode ser muito ilustrativo a
respeito dos dias atuais que vivemos no Brasil e na América Latina. O grande
pensador francês Edgar Morin citou esse provérbio ao concluir um artigo sobre
os estragos sociais e as injustiças que a unificação técnico-econômica, sob o
domínio do Capitalismo financeiro internacional, provoca no mundo (Cf. Le
Monde, 08/ 06/ 2011). Desde então, esse processo se tem agravado. Sobre o mundo
atual, caiu uma escuridão pior do que a mais tenebrosa noite. A sociedade
internacional e todos os nossos países são dominados por várias crises que
dependem tanto uma da outra que se tornam uma única imensa crise com expressões
diversas. Há o desafio ecológico que ameaça o planeta. Ligado a isso, uma
economia criminosa, provocada pela obsessão de lucros gigantescos de uma
minoria (1% da humanidade), agrava a pobreza e as desigualdades sociais. Para
sustentar essa barbaridade, os que mandam no mundo garantem governos fracos e
submissos às grandes corporações finnceiras. Assim, como vemos no Brasil de
hoje, a democracia é negada e a representação cidadã é ignorada. Os conflitos
pelo poder conduzem a guerras intermináveis que dizimam países inteiros, mas
servem para vender armas. Essas trazem mais e mais riquezas para as grandes empresas
que investem, ao mesmo tempo, em petróleo e armas.
Para o
Capital financeiro não há escuridão, nem sombra. E quase todos os governos do
mundo lhes servem como súditos fieis de um ídolo que necessita de sacrifícios
humanos. O papa Francisco afirma: "Esse sistema é insuportável e cruel.
Ele exclui, degrada e mata".
Com o mundo
mergulhado em uma noite dos vampiros, não é difícil saber o que essa realidade
pode gerar. Desse tipo de situação, só podem nascer revoltas loucas como a de
alguém que toma uma arma e sai matando inocentes. A injustiça institucional
provoca como reação atos terroristas que põem todo o mundo sob o domínio do
medo e legitimam maior repressão social por parte dos governos. A noite da
insensibilidade social com os mais pobres, provocada por um sistema que perde a
vergonha de ser injusto, dá a luz à violência generalizada e a uma cultura do
salve-se quem puder e a qualquer custo. No entanto, como dizia Dom Helder Camara: "quanto
mais escura for a noite, mais luminoso será o amanhecer". Mesmo em meio à
noite mais escura, o amor solidário da humanidade não desanima. As pessoas não
foram feitas para serem escravas da ambição e do egoísmo. Aqui e ali, mesmo no mais árido deserto,
jorra do fundo da terra uma fonte de água desconhecida. De onde não se
esperaria, brota uma flor frágil, mas subversiva, que teima em dar ao mundo sua
beleza e seu perfume.
Afirmar que
a gravidez das nossas noites possa dar a luz esse milagre de uma nova
humanidade não é constatação de índices sociais. Nem vem de reportagens das
redes de televisão. Só podemos afirmar isso pela fé. E a fé não dá provas nem
garantias. Ela orienta o olhar. Ela desperta uma nova atenção. Faz-nos
contemplar aquilo que outros não podem ver. Alimenta em nós a esperança de um
mundo novo possível, realizado a partir de baixo e construído, pouco a pouco, a
partir da solidariedade e de um novo modo de viver.
Em qualquer
que seja nossa tradição espiritual e mesmo que não pertençamos a nenhuma
religião organizada, a fé nos faz obedecer à palavra de Jesus: "Procurai o
reino de Deus (isso é, a realização do projeto divino para esse mundo) e sua
justiça e tudo o mais vos será dado por acréscimo" (Mt 6, 33).
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.
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