Por Marcelo Barros
Para
muitas pessoas que seguem caminhos espirituais, a Política nada tem a ver com a
Espiritualidade. Pensam a fé como exclusiva relação com Deus e expressa nas
devoções. A Política fica, então, restrita ao exercício do poder na sociedade. Quando
se separa a espiritualidade da vida real, as eleições se reduzem a um ritual político,
repetido a cada quatro anos, enquanto a espiritualidade é reduzida ao mundo religioso.
Na
realidade, a vida não é assim, fragmentada em compartimentos separados. O compromisso
político vai muito além das eleições, assim como a Espiritualidade se expressa
em todos os campos da vida e não só no religioso. Simone Weil, pensadora
francesa da primeira metade do século XX, afirmava: "Conheço quem é de
Deus não quando me fala de Deus e sim pelo modo de se relacionar com os
outros".
Nos
séculos passados, por não terem claro essa relação entre o compromisso ético da
fé e a dimensão espiritual da Política, as próprias estruturas das Igrejas e
religiões, assim como a maioria dos religiosos, deram aparência religiosa a
guerras e violências indescritíveis. Na Índia, as religiões deram aparência
espiritual ao sistema social das castas. Na África do Sul, durante séculos,
cristãos protestantes justificaram o apartheid. No mundo inteiro, católicos e
evangélicos legitimaram o Colonialismo. Foram coniventes com o racismo e com
injustiças sociais. Até hoje, no Congresso brasileiro, um grupo de
parlamentares se dizem evangélicos. Sem nenhuma preocupação com a Ética, sem
compromisso com a justiça e menos ainda com o serviço ao povo, a maioria exerce
o mandato para defender interesses de seus grupos religiosos ou, pior ainda,
simplesmente enriquecer. Em nome de um Deus cruel, amigo apenas dos seus amigos
e vingativo em relação aos demais, eles fortalecem as desigualdades sociais.
Para
que isso nunca mais aconteça, temos de aprofundar a dimensão política libertadora da
espiritualidade. Quanto mais formos pessoas de oração e de profunda mística, mais
a nossa busca espiritual se manifestará em nosso modo de exercer o compromisso
político. O Concilio Vaticano II afirmava que Deus não quis nos salvar
individualmente, mas nos unir em comunidade (Lumen
Gentium 2). Por isso, a Política é uma arte sublime e importante.
Todos nós fazemos Política o tempo todo.
Política é como respiração. Sem respiração, morremos. Além da Política como
exercício do poder, existe uma política de base que consiste na participação
social em grupos e organizações que buscam transformar a sociedade. Seja como parlamentar ou prefeito de um
município, seja como militante político nas bases, o cidadão ou cidadã vive a
Política como vocação pessoal. Como vocação,
a Política é a mais nobre das atividades. Se for apenas para ganhar dinheiro ou
para ter poder e prestígio, a Política se torna a profissão mais vil e
vergonhosa.
Para
votar nessas eleições com coerência espiritual é preciso ser dócil ao Espírito
de Deus em nós e não seguir critérios de interesse pessoal, de família ou votar
apenas por relação de amizade. Como diz uma campanha popular: “Voto não tem
preço. Tem consequências”. O nosso voto pode ajudar a construir uma sociedade
mais justa, ou pode, ao contrário, perpetuar os velhos vícios do sistema vigente.
No Brasil, muitos políticos que pareciam éticos e coerentes, hoje revelam
claramente ter trocado um projeto de país por um mero projeto de poder pessoal
ou partidário. Entretanto, seja como for, todos os políticos e partidos não são
iguais ou equivalentes. Mesmo se, em muitos casos, ainda somos obrigados a
votar no menos pior, é importante discernir entre as diversas escolhas
possíveis, a que nos parece ser a mais justa e adequada para o bem comum.
Os
Evangelhos contam que, ao entrar em Jerusalém, Jesus foi ao templo e ali, com
um chicote em punho, expulsou os cambistas e vendedores de animais para os
sacrifícios. Essa cena pode servir como símbolo para a vida de hoje. A Política
como atividade espiritual pode ser vista como um novo templo divino, porque é o
espaço formador da dignidade coletiva de um povo. Por isso, é preciso expulsar
dela os vendedores que a aviltam. Hoje, o chicote com o qual podem ser expulsos
da política os que a reduzem a um negócio de interesse e mercado só pode ser o
voto consciente e ético de cada cidadão/ã.
O evangelho diz que devemos julgar as pessoas e partidos conforme a
prática e pelos seus resultados.
“Pelos frutos bons, vocês podem discernir que
a árvore é boa, assim como pelos maus frutos, verão que uma árvore é má. Pelos
frutos, vocês podem discernir se a árvore é boa ou má” (Mt 7, 18).
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.
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