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terça-feira, 27 de setembro de 2016

PARA UMA ESPIRITUALIDADE POLÍTICA


Por Marcelo Barros



Para muitas pessoas que seguem caminhos espirituais, a Política nada tem a ver com a Espiritualidade. Pensam a fé como exclusiva relação com Deus e expressa nas devoções. A Política fica, então, restrita ao exercício do poder na sociedade. Quando se separa a espiritualidade da vida real, as eleições se reduzem a um ritual político, repetido a cada quatro anos, enquanto a espiritualidade é reduzida ao mundo religioso.

Na realidade, a vida não é assim, fragmentada em compartimentos separados. O compromisso político vai muito além das eleições, assim como a Espiritualidade se expressa em todos os campos da vida e não só no religioso. Simone Weil, pensadora francesa da primeira metade do século XX, afirmava: "Conheço quem é de Deus não quando me fala de Deus e sim pelo modo de se relacionar com os outros".

Nos séculos passados, por não terem claro essa relação entre o compromisso ético da fé e a dimensão espiritual da Política, as próprias estruturas das Igrejas e religiões, assim como a maioria dos religiosos, deram aparência religiosa a guerras e violências indescritíveis. Na Índia, as religiões deram aparência espiritual ao sistema social das castas. Na África do Sul, durante séculos, cristãos protestantes justificaram o apartheid. No mundo inteiro, católicos e evangélicos legitimaram o Colonialismo. Foram coniventes com o racismo e com injustiças sociais. Até hoje, no Congresso brasileiro, um grupo de parlamentares se dizem evangélicos. Sem nenhuma preocupação com a Ética, sem compromisso com a justiça e menos ainda com o serviço ao povo, a maioria exerce o mandato para defender interesses de seus grupos religiosos ou, pior ainda, simplesmente enriquecer. Em nome de um Deus cruel, amigo apenas dos seus amigos e vingativo em relação aos demais, eles fortalecem as desigualdades sociais.

Para que isso nunca mais aconteça, temos de aprofundar  a dimensão política libertadora da espiritualidade. Quanto mais formos pessoas de oração e de profunda mística, mais a nossa busca espiritual se manifestará em nosso modo de exercer o compromisso político. O Concilio Vaticano II afirmava que Deus não quis nos salvar individualmente, mas nos unir em comunidade (Lumen Gentium 2). Por isso, a Política é uma arte sublime e importante. 

Todos nós fazemos Política o tempo todo. Política é como respiração. Sem respiração, morremos. Além da Política como exercício do poder, existe uma política de base que consiste na participação social em grupos e organizações que buscam transformar a sociedade.  Seja como parlamentar ou prefeito de um município, seja como militante político nas bases, o cidadão ou cidadã vive a Política como vocação pessoal. Como vocação, a Política é a mais nobre das atividades. Se for apenas para ganhar dinheiro ou para ter poder e prestígio, a Política se torna a profissão mais vil e vergonhosa.

Para votar nessas eleições com coerência espiritual é preciso ser dócil ao Espírito de Deus em nós e não seguir critérios de interesse pessoal, de família ou votar apenas por relação de amizade. Como diz uma campanha popular: “Voto não tem preço. Tem consequências”. O nosso voto pode ajudar a construir uma sociedade mais justa, ou pode, ao contrário, perpetuar os velhos vícios do sistema vigente. No Brasil, muitos políticos que pareciam éticos e coerentes, hoje revelam claramente ter trocado um projeto de país por um mero projeto de poder pessoal ou partidário. Entretanto, seja como for, todos os políticos e partidos não são iguais ou equivalentes. Mesmo se, em muitos casos, ainda somos obrigados a votar no menos pior, é importante discernir entre as diversas escolhas possíveis, a que nos parece ser a mais justa e adequada para o bem comum.

  Os Evangelhos contam que, ao entrar em Jerusalém, Jesus foi ao templo e ali, com um chicote em punho, expulsou os cambistas e vendedores de animais para os sacrifícios. Essa cena pode servir como símbolo para a vida de hoje. A Política como atividade espiritual pode ser vista como um novo templo divino, porque é o espaço formador da dignidade coletiva de um povo. Por isso, é preciso expulsar dela os vendedores que a aviltam. Hoje, o chicote com o qual podem ser expulsos da política os que a reduzem a um negócio de interesse e mercado só pode ser o voto consciente e ético de cada cidadão/ã.  O evangelho diz que devemos julgar as pessoas e partidos conforme a prática e pelos seus resultados. 

“Pelos frutos bons, vocês podem discernir que a árvore é boa, assim como pelos maus frutos, verão que uma árvore é má. Pelos frutos, vocês podem discernir se a árvore é boa ou má” (Mt 7, 18). 

 Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países. 


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