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domingo, 25 de dezembro de 2016

NATAL EM TEMPOS DE HERODES


 Por Leonardo Boff



O Natal deste ano será diferente de outros natais. Geralmente é a festa da confraternização das famílias. Para os cristão é a celebração da divina Criança que veio para assumir nossa humanidade e faze-la melhor. No contexto atual, porém, em seu lugar assomou a figura do terrível Herodes. o Grande (73 a.C-4-a. C), ligado à matança de inocentes. Zeloso por seu poder, ouviu que nascera em seu reino, a Judéia, um menino-rei. Foi quando ordenou degolar todas os meninos abaixo de dois anos (Mt 2,16). Ouviu-se então uma das palavras mais dolentes de toda Bíblia: ”Em Ramá se ouviu uma voz, muito choro e gemido: é Raquel que chora os filhos e não quer ser consolada, porque os perdeu para sempre”(Mt 2,18).

Essa história do assassinato de inocentes continua de outra forma. As políticas ultracapitalistas impostas pelo atual governo, tirando direitos, diminuindo salários, cortando benefícios sociais básicos como saúde, educação, segurança,  aposentadorias e congelando por 20 anos as possibilidades de crescimento têm como consequência uma perversa e lenta matança de inocentes  da grande maioria pobre de nosso país.


Aos legisladores não são desconhecidas as consequências letais, derivadas da decisão de considerar mais importante o mercado que as pessoas.

Dentro de poucos anos, teremos uma classe de super-ricos (hoje são 71.440 segundo IPEA, portanto, 0,05% da população),uma classe media amedrontada pelo risco de perder seu status  e milhões de párias que da pobreza passaram para miséria. Esta significa fome das crianças que morrem por subnutrição e doenças absolutamente evitáveis, idosos que já não conseguem seus remédios e o acesso à saúde pública, condenados a morrer antes do tempo. Essa matança possui responsáveis. Boa parte dos legisladores atuais da chamada “PEC da morte” não podem se eximir da pecha de assassinos de seu povo.

As elites do dinheiro e do privilégio conseguiram voltar. Apoiados por parlamentares corruptos, de costas ao povo e moucos ao clamor das ruas e por uma coligação de forças que envolve juízes justiceiros, o Ministério Público, a Polícia Militar e parte do Judiciário, não sem o respaldo da potência imperial interessada em nossas riquezas, forjaram a demissão da Presidenta Rousseff. O real motor do golpe é o capital financeiro, os bancos e os rentistas (não afetados pelas políticas dos ajustes fiscais).

Com exatidão denuncia o cientista politico Jessé  Souza: “O Brasil é palco de uma disputa entre dois projetos: o sonho de um país grande e pujante para a maioria; e a realidade de uma elite da rapina que quer drenar o trabalho de todos e saquear as riquezas do país para o bolso de meia dúzia. A elite do dinheiro manda pelo simples fato de poder "comprar" todas as outras elites”(FSP 16/4/2016).

A tristeza é constatar que todo esse processo de espoliação é consequência da velha política de conciliação dos donos do dinheiro com os governos, que vem desde o tempo da Colônia e da Independência. Lula-Dilma não conseguiram ou não souberam superar a arte finória desta minoria dominante que, a pretexto da governabilidade, busca a conciliação com os governantes, concedendo alguns benefícios ao povo a preço de manter intocada a natureza de seu processo de acumulação de riqueza em altíssimos níveis.

O historiador José Honório Rodrigues que estudou a fundo a conciliação de classe sempre de costas ao povo, afirma com razão: ”a liderança nacional, em suas sucessivas gerações, foi sempre antirreformista, elitista e personalista…A arte de furtar é  nobre e antiga praticada por essas minorias e não pelo povo. O povo não rouba, é roubado…O povo é cordial, a oligarquia é cruel e sem piedade…; o grande sucesso da história do Brasil é o seu povo e grande decepção é a sua liderança”(Conciliação e Reforma no Brasil, 1965, pp. 114;119).

Estamos vivendo a repetição desta maléfica tradição, da qual jamais seremos libertados sem o fortalecimento de um anti-poder, vindo do andar de baixo, capaz de derrubar esta clique perversa e instaurar um outro tipo de Estado, com outro tipo de política republicana, onde o bem comum se sobrepõe ao bem particular e corporativo.
O Natal deste ano é um Natal sob o signo de Herodes. Não obstante, cremos que a divina Criança é  Messias libertador e a Estrela é generosa para nos mostrar um caminho de saída desta crise malvada.

Leonardo Boff escreveu: Natal: o sol da esperança, Mar de Ideias, Rio 2007.


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