Por Leonardo Boff
O Natal
deste ano será diferente de outros natais. Geralmente é a festa da
confraternização das famílias. Para os cristão é a celebração da divina Criança
que veio para assumir nossa humanidade e faze-la melhor. No contexto atual,
porém, em seu lugar assomou a figura do terrível Herodes. o Grande (73 a.C-4-a.
C), ligado à matança de inocentes. Zeloso por seu poder, ouviu que nascera em
seu reino, a Judéia, um menino-rei. Foi quando ordenou degolar todas os meninos
abaixo de dois anos (Mt 2,16). Ouviu-se então uma das palavras mais dolentes de
toda Bíblia: ”Em Ramá se ouviu uma voz, muito choro e gemido: é Raquel que
chora os filhos e não quer ser consolada, porque os perdeu para sempre”(Mt
2,18).
Essa
história do assassinato de inocentes continua de outra forma. As políticas
ultracapitalistas impostas pelo atual governo, tirando direitos, diminuindo
salários, cortando benefícios sociais básicos como saúde, educação,
segurança, aposentadorias e congelando por 20 anos as possibilidades de
crescimento têm como consequência uma perversa e lenta matança de
inocentes da grande maioria pobre de nosso país.
Aos
legisladores não são desconhecidas as consequências letais, derivadas da
decisão de considerar mais importante o mercado que as pessoas.
Dentro de
poucos anos, teremos uma classe de super-ricos (hoje são 71.440 segundo IPEA,
portanto, 0,05% da população),uma classe media amedrontada pelo risco de perder
seu status e milhões de párias que da pobreza passaram para miséria. Esta
significa fome das crianças que morrem por subnutrição e doenças absolutamente
evitáveis, idosos que já não conseguem seus remédios e o acesso à saúde
pública, condenados a morrer antes do tempo. Essa matança possui responsáveis.
Boa parte dos legisladores atuais da chamada “PEC da morte” não podem se eximir
da pecha de assassinos de seu povo.
As elites
do dinheiro e do privilégio conseguiram voltar. Apoiados por parlamentares
corruptos, de costas ao povo e moucos ao clamor das ruas e por uma coligação de
forças que envolve juízes justiceiros, o Ministério Público, a Polícia Militar
e parte do Judiciário, não sem o respaldo da potência imperial interessada em
nossas riquezas, forjaram a demissão da Presidenta Rousseff. O real motor do
golpe é o capital financeiro, os bancos e os rentistas (não afetados pelas
políticas dos ajustes fiscais).
Com
exatidão denuncia o cientista politico Jessé Souza: “O Brasil é
palco de uma disputa entre dois projetos: o sonho de um país grande e pujante
para a maioria; e a realidade de uma elite da rapina que quer
drenar o trabalho de todos e saquear as riquezas do país para o bolso de meia
dúzia. A elite do dinheiro manda pelo simples fato de poder
"comprar" todas as outras elites”(FSP 16/4/2016).
A tristeza
é constatar que todo esse processo de espoliação é consequência da velha política
de conciliação dos donos do dinheiro com os governos, que vem desde o tempo da
Colônia e da Independência. Lula-Dilma não conseguiram ou não souberam superar
a arte finória desta minoria dominante que, a pretexto da governabilidade,
busca a conciliação com os governantes, concedendo alguns benefícios ao povo a
preço de manter intocada a natureza de seu processo de acumulação de riqueza em
altíssimos níveis.
O
historiador José Honório Rodrigues que estudou a fundo a conciliação de classe
sempre de costas ao povo, afirma com razão: ”a liderança nacional, em suas
sucessivas gerações, foi sempre antirreformista, elitista e personalista…A arte
de furtar é nobre e antiga praticada por essas minorias e não pelo povo.
O povo não rouba, é roubado…O povo é cordial, a oligarquia é cruel e sem
piedade…; o grande sucesso da história do Brasil é o seu povo e grande decepção
é a sua liderança”(Conciliação e Reforma no Brasil, 1965, pp.
114;119).
Estamos
vivendo a repetição desta maléfica tradição, da qual jamais seremos libertados
sem o fortalecimento de um anti-poder, vindo do andar de baixo, capaz de
derrubar esta clique perversa e instaurar um outro tipo de Estado, com outro
tipo de política republicana, onde o bem comum se sobrepõe ao bem particular e
corporativo.
O Natal
deste ano é um Natal sob o signo de Herodes. Não obstante, cremos que a divina
Criança é Messias libertador e a Estrela é generosa para nos mostrar um caminho
de saída desta crise malvada.
Leonardo
Boff escreveu: Natal: o sol da esperança, Mar de Ideias, Rio 2007.
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