Por Frei Betto
Para os cristãos, o ano se divide em tempos litúrgicos. Este que antecede o
Natal é o período do Advento, de expectativa do que virá. E esperar é acreditar
que o futuro será melhor. Como sublinhava Spinoza, deixar-se guiar pela
esperança, e não pelo medo, é ousar ser livre.
A fé é a virtude de acolher o Transcendente. O amor, de acolher o próximo. Já a
esperança é a tensão que conecta o presente ao futuro. Nada sabemos do que
será. Nem “o que será que será”, como interpela a canção de Chico Buarque na
voz de Milton Nascimento.
O presente, no entanto, se escancara aos nossos olhos. Chega-nos aos borbotões
pelas janelas da TV e da internet: guerra na Síria; refugiados no Mediterrâneo;
insegurança quanto aos rumos do governo Trump; ascensão da direita na Europa; o
papa Francisco denunciando a “globalização da indiferença”.
No Brasil, a caça aos corruptos; o ajuste fiscal que penaliza o trabalhador e
protege o capital; a falência dos estados; a violência nas grandes cidades; a
disseminação das drogas, qual peste medieval que afeta sobretudo os mais
jovens; o aumento do desemprego e o desencanto com a política.
O que esperar? Há quem se deixa imobilizar, banca o avestruz e enfia a cabeça
na areia, fica à espera do milagre de um futuro melhor. Há quem acredite que
Deus ouvirá as nossas preces e haverá de intervir na história humana.
Deus é Pai, não paternalista. Entregou-nos a Criação. Cabe a nós administrá-la.
“Se Deus é bom, por que há tanta desgraça?”, indaga o cético. A pergunta
correta é outra: “Por que nós, seres humanos, causamos tanto sofrimento ao
promover injustiças e exclusões?”
Não coloquemos na conta de Deus a fatura de nossos débitos. Frisa o livro do Gênesis que,
ao terminar a Criação, Javé viu que tudo “era muito bom”. O qualificativo é
notório. Se hoje o “muito bom” parece distante, há que indagar o que fizemos
com a natureza e a sociedade para causar tanta devastação e dor.
Colhe-se no futuro o que se plantou no presente. Portanto, aguardar um futuro
melhor é empenhar-se em corrigir os rumos do presente. O GPS existe, basta nos
deixar guiar pelo exemplo de Jesus e de tantos mestres espirituais. Ou esta
simples e sábia lição: não fazer ao próximo o que não gostaria que fizessem a
mim.
No teatro grego, havia um coro que recitava o contrário da cena que se
desenrolava no palco. Seus integrantes eram chamados ‘hipócritas’. Na Palestina
do século I, os fariseus, como advertiu Jesus, denunciavam o mosquito no olho
alheio sem admitir a trave que traziam no próprio.
Como semear um futuro melhor se trago o coração pesado de ódio, mágoas e
ressentimentos? Como colher flores se a boca profere palavras ácidas contra
quem não pensa como eu? Como haverá paz se aplaudo a vingança? Como esperar
harmonia se reforço o preconceito e a discriminação? Como sonhar com a justiça
se jamais partilho bens materiais e espirituais?
Viver o Advento é abandonar o compasso de espera. Livrar-se da expectativa de
que outros farão o que não faço. É, sobretudo, voltar-se sobre si mesmo e
perguntar: o que Deus e o próximo esperam de mim? Como posso renascer neste
Natal? Como despojar coração e mente de tantos entulhos que me induzem à ilusão
de que sou melhor do que os outros e, portanto, me sinto no direito de me
arvorar em juiz da vida alheia?
Há que prestar atenção nos versos de Vicente de Carvalho: “Essa felicidade que
supomos / árvore milagrosa que sonhamos / toda arriada de dourados pomos /
existe sim; mas não a alcançamos, / porque está sempre apenas onde a pomos / e
nunca a pomos onde nós estamos.”
Como alerta a canção de Vandré, “quem sabe faz a hora, não espera acontecer.”
Frei Betto é escritor,
autor de “O que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros.
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