Por Maria Clara
Lucchetti Bingemer
Advento é tempo de
gravidez. Gravidez de esperança pelo novo que vem em forma de menino,
humano e indefeso, nascido de mulher. E é a esse mistério tão singelo e
despretensioso, pelo qual o mundo é mundo e a cadeia da humanidade segue adiante
por séculos e milênios que a fé cristã atribui a salvação do mundo.
É nesse mistério de esperança frágil e desprotegida, exposta a todas as
intempéries que a revelação afirma que chegou a plenitude dos tempos.
O que acontece no ventre
de Maria e aconteceu, acontecia e acontecerá nas entranhas de todas as Marias,
Ednas, Joanas, Cristinas e Anas que povoaram, povoam e povoarão a terra é o
atestado de que é a esperança que move o mundo e quando parece já não haver mais
nada a esperar a convicção de que em algum lugar, em alguma parte, uma mulher
grávida dará à luz um filho. E a esperança recomeçará a brotar da
aparente esterilidade que ameaça assolar e ressecar a face da terra.
O Natal, portanto, é tempo
de gravidez e gestação. Neste menino pequeno e recém-nascido ao frio e ao
calor, à fome e à sede, à saciedade e ao carinho, à dor e à alegria se encarnou
a Palavra que vinha germinando nos sulcos do mundo, nas veias da história, e nas
entranhas maternais de todo instante, desde o começo dos tempos.
Quando o Pai de toda paternidade contraiu suas entranhas
paterno-maternais para dar lugar ao que não era divino e criar o cosmos, já a
esperança habitou o fundo da terra, anunciando o desejado dia em que a criação
voltaria a ser semelhante ao criador do qual era imagem.
Na plenitude dos tempos,
desde as entranhas da terra e da humanidade, nascerá Jesus, do ventre de Maria
de Nazaré. Não descerá do alto, dos espaços siderais em algum voo de
emergência. Brotará do humano, da carne vulnerável e mortal. Deus
se fez carne em Jesus de Nazaré, herdando em seu peito o sangue e o pranto, as
alegrias e os desejos das gerações humanas que o haviam precedido e todos os
futuros e mistérios desconhecidos e desejados.
Este é o mistério
pelo qual hoje esperamos. A justiça e a paz vêm de baixo e dos que estão
abaixo. Se a nossa justiça não abarcar aqueles que estão à margem das
benesses do progresso e da sociedade em que vivemos, será como a palha que
queima e se transforma em cinza.
Olhar para baixo: esta é a
diretriz que nos é dada neste Advento, enquanto esperamos que a Palavra que já
se fez carne no ventre de Maria de Nazaré seja por ela dada à Luz. A Luz que é
desde o começo dos começos, da qual veio a Luz para o mundo, é dada à luz por
uma mulher.
Portanto, que não se abra
a terra para semear minas que explodirão vidas humanas em mil pedaços.
Que não se abra tampouco a terra para enterrar os cadáveres dos justos e o
pranto das viúvas e dos órfãos. Que não se abra jamais para fazer
desaparecer os torturados, plantar sementes envenenadas da cobiça e sepultar os
sonhos irrealizados.
Que se abra, sim, a terra
para que brote hoje e sempre, com sabor e aroma de novo, frágil e indefesa, a
epifania, a manifestação de Deus que se faz criança na carne frágil de Jesus de
Nazaré. Que se abra a terra, para que a gravidez universal da criação se
torne parto infinito e constante. Que a nova criação seja parida na
caridade vivida, nos gestos humildes de amor aprendidos no Deus que desce e se
encarna no mais estreito e frágil da Criação da qual é Senhor.
Que a nossa humanidade,
enfim, aprenda nesse Advento a preparar-se para abrir-se e acolher o outro que
sofre, chora e é infeliz. O outro que está faminto, sedento, cativo e nu.
Que o coração vá aprendendo a ser de carne e não de pedra neste
tempo de espera em que Deus, uma vez mais, cresce no ventre daquela que é cheia
de graça para ensinar que o amor é flor tão frágil quanto preciosa;
tão bela quanto mais indefesa; mais ofuscantemente deslumbrante justamente
quando se encontra mais ameaçada. E que é preciso cuidá-la com carinho, para
que ilumine e encha de beleza o mundo tão cheio de ameaças, guerras e morte.
Mundo no qual perdem os que têm razão e ganham os que não a têm. O
Advento do Menino que a Mãe prepara e acolhe em seu ventre imaculado inverte
essa equação e mostra onde está a verdadeira vitória, nos subterrâneos da
história, onde se encarna a fragilidade do amor.
A maternidade de Maria nos
ensina algo muito importante, a nós que vivemos em uma sociedade que valoriza a
gravidez e a gestação de maneira produtivista, no sentido de que a mulher
tem que ter filhos e ser mãe, mas também trabalhar, ser produtiva etc. E
quando isso nao acontece é uma enorme frustração, fonte de depressão.
O único discurso
organizado que ajuda a compreender a complexidade simbólica ou cultural da
experiência materna é o religioso. A sociedade laicizada e secular não tem uma
palavra ou discurso adequado para isso.
Para nós, que celebramos o
Advento, a figura da Virgem Maria, a jovem de Nazaré desposada com o
carpinteiro José, que se prepara para dar à luz aquele que veio do alto e do
infinito, fica o convite à contemplação e à adoração. Adoremos pois, esse
que a Mulher nos mostra em seu ventre grávido. Dali sairá a verdadeira
Luz para todo aquele ou aquela que vem a este mundo.
Maria Clara Lucchetti
Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-RJ A
teóloga é autora de “Simone Weil – Testemunha da paixão e da
compaixão" (Edusc)
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