Por Marcelo Barros
No próximo dia 10
de dezembro, a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU completará 68
anos. A sociedade internacional lembra esse aniversário com uma maior consciência
ética de que todo ser humano é portador de direitos inalienáveis. Muitos destes
direitos estão incluídos nas leis e constituições nacionais. No entanto, atualmente,
mais do que em outras épocas, governos e grandes meios de comunicação a serviço
do império tratam migrantes e refugiados como lixo. Cada vez mais, os grandes desse mundo o
organizam a partir da exclusão social e da desigualdade econômica. Já em 1948, a
Declaração dos Direitos Humanos, assinada por 190 países, afirmava que todos os
seres humanos têm o direito de migrar e de morar em qualquer rincão do planeta
Terra. Apesar disso, a cada dia, as nações ricas constroem muralhas mais
discriminatórias e odiosas para impedir a entrada de migrantes e refugiados das
guerras que os próprios governos imperiais criam. De um continente a outro,
circulam livremente as mercadorias. As pessoas que tentam passar pelas fronteiras
são presas e punidas. Em nome da segurança nacional, vários governos se sentem
com o direito de desnudar pessoas em aeroportos e expor os passageiros ao risco
de radiações até hoje não controladas em aparelhos para detectar metais. Como
diz o professor Boaventura de Sousa Santos, os Impérios e grupos de Direita se
apropriaram da bandeira dos Direitos Humanos individuais e liberais para
defender seus privilégios e negar os direitos dos outros. No Brasil e na
maioria dos países, percebe-se uma onda de violência e de intolerância que não
admite a diversidade de opiniões e opções políticas. No meio de tudo isso, o
desencanto de muitos, mesmo da população mais pobre, com as atuais instituições
da sociedade, tem levado muitas pessoas a votarem em partidos de direita e a
elegerem candidatos, como se optassem pelo "quanto pior, melhor".
Apesar de tudo
isso, a parte mais sadia da humanidade acentuou os direitos coletivos (dos
índios, dos negros, das mulheres, das minorias sexuais, etc) e, agora mais do
que nunca, os direitos da Terra e da natureza. O ser humano tem uma função
especial no conjunto da natureza, mas não está fora nem acima de todos os
outros seres. Faz parte da grande família da vida. A justiça não pode ser
somente social, mas socioambiental. Envolve a terra, a água e toda a natureza
que nos cerca. Para salvaguardar plenamente os direitos humanos, temos de
respeitar e zelar pelos direitos cósmicos, ou seja, direito à existência e à
integridade de todos os seres do universo. É em torno dessas temáticas que, nas
últimas décadas, a sociedade civil tem se organizado internacionalmente. Hoje
há uma consciência de cidadania universal que se revela nos diversos fóruns
sociais e temáticos, além de se manifestar pela paz e pela ecologia em diversos
momentos dos anos recentes. No mundo inteiro, se fortalece o movimento para se
criar uma ONU não só de governos, mas da sociedade civil internacional.
Nessa mesma
sintonia, o líder mundial que parece mais solidário com os pobres do mundo e
preocupado em construir a justiça e a paz é o papa Francisco. No seu terceiro
encontro com os movimentos sociais, ele afirmou: "O medo endurece o
coração e se transforma em crueldade cega que se recusa em ver o sangue, a dor,
o rosto do outro". Ele já havia dito em Bolívia e agora repetiu: "O futuro
da humanidade não está somente nas mãos dos grandes líderes, das grandes
potências e das elites. Está sobretudo nas mãos dos povos; na sua capacidade de
organizar-se e também nas mãos que irrigam, com humildade e convicção, este
processo de mudanças”.
No encerramento do
mesmo discurso, o papa citou as palavras de um pastor batista negro dos Estados
Unidos. Já em 1957, em um sermão na Igreja Batista de Montgomery, Alabama, o
pastor Martin-Luther King afirmou: “Quando te elevas ao nível do amor, da sua
grande beleza e poder, a única coisa que buscas derrotar são os sistemas
malignos. Deves procurar derrotar aquele sistema, mas amando as pessoas que
estão presas por ele. (…) Ódio por ódio somente aumenta a existência do ódio e
do mal no universo. Se eu te firo e tu me feres, e eu te retribuo o golpe e tu
me retribuis o golpe que te dei, e assim por diante, é evidente que essa
corrente se mantém até o infinito. Não acaba nunca. Uma das partes deve ter um
pouco de bom senso. Essa é a pessoa forte. Forte é quem é capaz de quebrar a cadeia de ódio, a corrente do mal”.
Essa opção de não
violência ativa deve nos levar a lutar pelos direitos humanos e pelos direitos
da natureza. Atualmente, no Brasil, ao protestar contra uma das leis mais
perversas e violentas que já se criaram contra a educação das crianças,
adolescentes e jovens, muitos estudantes têm ocupado escolas e universidades. É
um protesto justo e pacífico. Apesar de que o governo criminaliza qualquer
movimento social e qualquer manifestação democrática, é justamente isso que o
pastor Martin-Luther King fez nos Estados Unidos para vencer o racismo. Alguns
anos antes, o Mahatma Gandhi tinha lutado com os mesmos métodos pacíficos pela independência da Índia. Ao ocuparem escolas,
os estudantes brasileiros, de diversas classes sociais e independentemente de
qualquer partido político, dão à sociedade um sinal de esperança. Ao lutar pelo
direito básico da educação para todos, abrem caminhos para a compreensão e
respeito a todos os direitos humanos e de todas as criaturas do universo.
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.
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