Por Maria Clara
Lucchetti Bingemer
A morte de Fidel Castro
vinha sendo preparada há tempos pelo regime cubano. O comandante envelhecia e
havia que pensar no futuro. Em 2008, Fidel passou a presidência a seu irmão,
Raúl Castro. Este deu sinais de abertura em todas as direções. Em
termos políticos, foi sob sua presidência que, com apoio do Papa Francisco, a
distensão das relações com os Estados Undos começou a acontecer.
Na área da religião, Fidel já dava há algum tempo sinais de maior abertura. Os
irmãos Castro conheceram e praticaram o cristianismo em sua infância e
juventude, sendo educados pelos padres jesuítas. Posteriormente abraçaram
o marxismo e com essa ideologia política governaram Cuba. Assim o entende
e interpreta Frei Betto, dominicano brasileiro, que conheceu de perto Fidel e
seu irmão Raúl. O religioso escreveu o livro “Fidel e a Religião”, que vendeu
milhares de cópias e abriu caminho para a ida do Papa João Paulo II a Cuba, em
1998.
Neste livro, fica patente que Fidel caminhava para uma atitude de crescente
abertura à Transcendência e experimentava simpatia pelo cristianismo e seus
princípios de justiça e fraternidade. A notícia de que um comunista podia
sentir-se próximo do cristianismo escandalizou alguns. Foi, porém,
perfeitamente compreendida por cristãos ilustres, como o Papa Francisco.
Em entrevista ao jornal italiano “La Republica”, Sua Santidade declarou que “os
comunistas pensam como os cristãos. Cristo falou de uma sociedade em que
os pobres, os fracos e os excluídos são os que decidem.”
Nesse sentido, pode-se
compreender que para muitos cristãos a revolução cubana seja atraente em muitos
aspectos. Ali se pode ver alguns pontos da justiça pregada pelo cristianismo
acontecendo de fato. Embora seja igualmente certo que certas restrições
como a falta de liberdade política e o fechamento das comunicações com o
exterior sejam incompatíveis com a doutrina cristã.
Por isso, a Igreja universal olha para a Igreja cubana perguntando-se que
mudanças trará para seu futuro a morte do líder político da ilha. Ainda
que o estado cubano seja laico e não filiado a nenhum credo específico, não se
pode negar que o substrato católico presente em Cuba desde a colonização
espanhola ainda se encontra presente e tem raízes profundas.
Quando da visita de João Paulo II, contra todas as expectativas, as ruas da
ilha foram tomadas por um milhão de pessoas. Quando o Papa Bento XVI lá
esteve também provocou vasta mobilização. No ano passado, com o Papa
Francisco o interesse não foi menor.
O mesmo acontece quando a imagem da Virgen de la Caridad del Cobre, padroeira
de Cuba - por eles carinhosamente chamada de Cachita – é levada às ruas e faz
sua peregrinação anual pelas cidades. Sem publicidade no jornal ou na
televisão, as ruas se enchem de cubanos que acompanham a imagem, com oração e
piedade.
Em 2015, o Papa argentino conseguiu mover a hierarquia eclesiástica cubana a
uma aproximação ainda maior com o regime de Castro. A convocação central
do Pontífice foi ao diálogo, ao encontro com o ser humano. Por isso,
igualmente, Francisco evitou arestas – ainda que com o risco de decepcionar
alguns – e abriu para uma Cuba em dificuldades a opção de comunicar-se com o
mundo. Com suma habilidade, foi ao encontro do que já vinha falando o
próprio Fidel sobre a inevitabilidade de mudanças na ilha. O Papa
valorizou o testemunho e exemplo que Cuba é para o mundo, com suas conquistas
inegáveis de justiça e igualdade.
Uma pesquisa de opinião indicou que em Cuba somente 27% das pessoas se reconhecem
católicas. Mas, ao mesmo tempo, aponta para o fato de que 8 em cada 10
têm uma imagem positiva do Papa Francisco. E também – talvez em boa parte
devido a isso – confiam na Igreja como instituição.
Que futuro se pode esperar, então, para esta Igreja após a morte de Fidel
Castro? Não nos cabe aqui fazer exercícios de futurologia. Mas sempre há
espaço para desejos e esperanças. Talvez o mais urgente seja a Igreja ter
mais possibilidades de atuação no campo da educação.
Isso já acontece de maneira informal e discreta. Há casas e instituições
religiosas que oferecem cursos muito bem aceitos e procurados por numerosos
cubanos. Também universidades de outros países enviaram delegações com
propostas de desenvolvimento de projetos comuns em Cuba e foram bem
recebidas. Tais projetos se vão pouco a pouco fazendo realidade.
Por que não se poderia ampliar mais esse espaço, de forma que a Igreja fosse
novamente chamada a atuar em um campo em que é pioneira, como o da educação? Esperemos
que, passado este momento de perplexidade com a morte de Fidel, um novo
horizonte de trabalho educativo se abra efetivamente para a Igreja da ilha, tão
corajosa e fiel ao longo de todos esses anos.
Maria Clara
Lucchetti Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-RJ. A teóloga
é autora de “Simone Weil – Testemunha da paixão e da compaixão" (Edusc)
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