Por Marcelo
Barros
Na cultura
da maioria das pessoas, Natal evoca presentes que recebemos e damos a parentes
e amigos. Para outros, as festas do Natal significam aconchego familiar e dias
de férias. Para as mães de família, Natal requer uma ceia especial com muitas
comidas e bebidas. Fazer festa e reunir as pessoas queridas é sempre bom. Se o
Natal serve para isso, tem uma boa função. No entanto, no mundo atual, se
queremos ser mais justos com a Terra e a natureza, temos de rever o consumismo
e organizar um modo de viver mais sóbrio e centrado em coisas mais essenciais.
Se você quiser ir além da agitação que envolve esses dias, lembre-se que, no
plano mais profundo, Natal significa renascimento.
Embora
ninguém saiba a data exata do nascimento de Jesus, desde o século IV, os
cristãos tomaram o 25 de dezembro, solstício do inverno no hemisfério norte, para
celebrar a vinda de Jesus Cristo ao mundo, como o sol que ilumina e dá sentido
novo a nossas vidas. Por celebrar o ciclo solar, o Natal é mais a celebração de
um renascimento do que simples memória de um aniversário. Aliás, o que
significaria nascer, se não fosse para estar abertos a um constante renascer? O
poeta Pablo Neruda afirmava: “Nascemos como esboço. É preciso sempre renascer.
Nascemos para renascer”.
De um modo
ou de outro, todos os caminhos espirituais se propõem a ajudar as pessoas a
viverem esse processo de transformação pessoal e comunitário. O Evangelho chama
de metanoia, mudança de mente. O
Budismo denomina de iluminação. Espiritualidades indígenas falam em despertar. Podemos
dizer que renascemos cada vez que realizamos os passos que a vida exige e nos
abrimos para uma nova etapa. Em cada idade física, o ser humano larga uma idade
e renasce para outra. Em uma conversa com Nicodemos, Jesus explica: “O que
nasce conforme o mundo (ou no modo de falar hebraico: o que nasce da carne) é
carne, ou seja, pertence a esse modo de ser do mundo. O que nasce do Espírito,
é espírito. Por isso, insisto, é preciso nascer de novo, nascer do Espírito”
(Jo 3, 7).
O sentido
mais profundo da celebração do Natal é abrir nossos corações e nossas vidas
para essa perspectiva de uma vida nova, tanto no plano pessoal como de nossas
relações e atividades sociais e até políticas. Viver o espírito do Natal é não
apenas recordar Belém e o presépio no qual Jesus recém-nascido está rodeado de
seus pais e é visitado pelos pobres pastores do campo. O espírito do Natal é a
mística da inserção. Significa assumir a realidade em que vivemos e retomar
nossas relações com as pessoas mais de base em uma linha de caminharmos juntos
e de recomeçarmos o que nos anos 70 chamávamos "a Igreja que nasce do povo
pela força do Espírito". Ao falar em Igreja, estamos voltando ao sentido
original do termo. É a assembleia dos cidadãos e cidadãs do reino de Deus,
cristãos ou não, gente de frequência eclesial ou não... A mística do Natal é o
encontro com uma Política que se faz sagrada porque é libertadora e não tem
vergonha nem medo de ser transformadora e até revolucionária. Como diziam os
bispos latino-americanos na sua conferência em Medellín (1968): "Queremos
construir uma Igreja libertadora de toda a humanidade e de cada ser humano por
inteiro, em todas as suas dimensões" (Med. 5, 15).
O fato de
que, no Natal, Jesus assumiu a condição humana com todas as suas fragilidades e
problemas, faz com que as pessoas que creem sempre descubram razões para esperar e
sempre, de novo, retomem a opção transformadora de um novo mundo
possível. Essa opção exige uma profunda consciência crítica com relação ao modo
de pensar da sociedade dominante e a decisão de manter, custe o que custar,
nossa capacidade de amar, a disponibilidade ao diálogo e a sermos pessoas de coração
terno e afável, sempre e cada vez mais humanos, como Jesus.
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.
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