por Maria
Clara Lucchetti Bingemer
A primeira vez em que li menção sobre as Mães da Praça
de Maio foi em livro de Rosiska Darcy de Oliveira. A partir daí não mais
deixei de revisitar suas raízes. Essas mulheres me conquistaram para
sempre.
As Mães da Praça de maio são uma notável organização de mulheres argentinas,
ativistas dos direitos humanos
há mais de quatro décadas. Seus filhos foram
sequestrados
e quase todos assassinados pelos militares argentinos durante a
“guerra suja” contra os movimentos de esquerda,
de 1976 a 1983.
O atual governo da Argentina
reconhece que aproximadamente 9 mil esquerdistas
e líderes trabalhistas morreram nas
mãos dos militares durante a ditadura. Porém,
as Mães da Praça de Maio e outros defensores dos direitos
humanos acreditam que o número de mortos aproxima-se
de 30 mil. Essas vítimas
“desapareceram” sem deixar rastro.
O objetivo da ditadura era
esmagar a esquerda argentina e implementar a mesma
política neoliberal imposta pelo regime do presidente Pinochet
no Chile, pelos sucessivos governos militares do Brasil a partir de
1964 e por numerosos outros regimes de opressão na
América Latina. O governo argentino cortou drasticamente os salários,
declarou ilegais contratos sindicais então vigentes, conseguiu a demissão de
milhares de ativistas sindicais e promoveu a privatização de
boa parte da economia.
Conscientes de tudo o que estava acontecendo, as
Mães da Praça de Maio deram início a uma corajosa
campanha para exigir que o governo argentino
desse conta do paradeiro de seus filhos desaparecidos.
À medida que a consciência política crescia, elas tornaram-se
inimigas implacáveis dos responsáveis por aquela guerra suja.
E no processo de oposição à agenda neoliberal, essas mães
começaram a se ver como herdeiras
dos ideais de seus filhos, dispostas a levar adiante a luta
deles.
As mães da Praça de
Maio não têm ilusões. Sabem que seus filhos, a
maioria, foram sequestrados, torturados e assassinados pela ditadura
militar na Argentina. No entanto, elas permanecem firmes,
recusando as ofertas do governo de reparação ou indenização pelas mortes de seus filhos.
Elas insistem em declarar
que não aceitarão formalmente a morte de seus filhos enquanto
não for apresentada documentação sobre o que aconteceu com
eles. É a única esperança de que a justiça
seja feita pelo que aconteceu durante a
ditadura.
Elas eram apenas um grupo de mulheres, mães e
avós, que, em Buenos
Aires, durante os sangrentos anos da ditadura
militar, defenderam
a causa de seus filhos que haviam “desaparecido”
no abismo da tortura e da morte.
Brandindo diante da ditadura o direito violado da
maternidade, elas criaram
uma força política com repercussões.
Foi, talvez, o mais eloquente clamor contra aqueles terríveis
anos na Argentina.
Movidas por razões que eram aparentemente estritamente “privadas”, elas emergiram
politicamente com novas metas e desafios, nascidos
da dor inconsolável da perda de seus filhos.
As loucas têm sua “razão”. E esta não é tão fora de
propósito, uma vez que o próprio Papa Francisco, argentino, a reconhece. Na
data em que se celebra o Dia das Mães na Argentina, um grupo delas foi a
Roma. Seu intento era realizar uma manifestação na Praça de São Pedro em
comemoração à data e aos 40 anos do movimento. O desejo delas era
realizar uma marcha, mas não foi possível porque naquele dia havia uma
canonização acontecendo naquele mesmo lugar.
Porém, o papa Francisco não se esqueceu delas. Mandou
um sacerdote buscá-las, colocá-las na primeira fila, e cumprimentou uma por
uma. Assim, mesmo sabendo as posições controvertidas que existem na
Argentina em relação às Mães da Praça de Maio, o Papa reconheceu e apoiou a
“razão” dessas mulheres, que sofrem até hoje pela ausência nunca preenchida de
seus filhos.
O olhar de pastor do Papa reconheceu que
esses corpos femininos,
consagrados pelo milagre da vida,
tornaram público o vazio e
a ausência deixada por seus filhos desaparecidos,
e então tornaram-se instrumentos de redenção
para todos
que sofreram sob aquela cruel opressão.
Maria
Clara Lucchetti Bingemer , teóloga e autora de “Teologia
latino-americana – Raízes e ramos” (Editoras Vozes e PUC-Rio), livro que acaba
de ser lançado.
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