Por
Marcelo Barros
Cada vez
mais grupos católicos tradicionais, como também membros da hierarquia têm se
posicionado abertamente contra as posições, palavras e propostas do papa
Francisco. Esses católicos tradicionalistas proclamam a fidelidade ao papa como
sucessor de Pedro quando se trata de um papa com o qual ideologicamente
concordam. No caso de Francisco que toma posições que interpelam o mundo e a
Igreja, eles se proclamam contrários e o criticam abertamente. É ainda um grupo
minoritário. No entanto, por trás deles, um número bem maior de eclesiásticos
não falam o mesmo idioma do bispo de Roma.
Criticar o
papa porque ele insiste em renovar a Igreja na observância do evangelho de
Jesus revela a distância que ainda existe entre a tradição da hierarquia e a
proposta do reino de Deus e da bem-aventurança dos pobres. No entanto, o mais grave
é que essa divisão enfraquece a luta por um outro mundo possível. Divide pessoas
e organizações que deveriam estar juntas na luta pelas mesmas causas políticas
e eco-sociais. Tudo isso é lamentável e temos de nos colocar solidários às
propostas do papa.
Além disso, talvez devamos olhar na contramão
dos sinais e tentar ler nessa realidade algo de positivo. Ao responder com
palavras mas nunca ameaçar, nem tomar qualquer posição repressiva em relação a
seus críticos e detratores, o papa Francisco faz um grande bem à Igreja. Nos
anos 60, João XXIII e Paulo VI afirmaram que nunca mais a hierarquia usaria os
meios de repressão e sim a linguagem do amor. Apesar disso, dois de seus
sucessores retomaram a prática da repressão. Centenas de teólogos/as e pastores
sofreram na pele as consequências de discordarem do papa. Agora, ao aceitar
críticas e dissensões, o atual papa dá um passo fundamental: ajuda a Igreja de
Roma e as Igrejas locais da comunhão católica a viverem a catolicidade de forma
nova em um mundo plural.
Os
católicos e crentes de Igrejas históricas reconhece o primado do bispo de Roma.
Desde séculos antigos, a tradição atribui ao bispo de Roma uma missão especial
em relação a todas as Igrejas. Atualmente, a maioria dos exegetas concorda que
não se pode deduzir dos textos bíblicos ("Tu és Pedro"- Mt 16, 18), o primado de Pedro. Conforme dados
históricos, o primeiro bispo do qual se têm notícias em Roma é Víctor, com quem
Irineu de Lyon discutiu a unificação da data da Páscoa entre Oriente e Ocidente
- (180 D. C). No entanto, isso em nada diminui a importância para as Igrejas do
ministério petrino. Para o conjunto do Cristianismo, pode ser importante que a
Igreja de Roma e o seu bispo, coletivamente, exerçam essa missão de unidade.
Quanto à forma e ao estilo do papado, o próprio João Paulo II pediu aos
cristãos de outras Igrejas que o ajudassem a descobrir como transformar (Ut unun sint, 96).
Ao
contestar abertamente o papa Francisco, os grupos tradicionalistas retomam uma
tradição dos primeiros séculos, quando a diversidade e mesmo a discordância não
eram consideradas como ameaça à unidade. Ao contrário, a liberdade de contestar
manifestava a unidade do diálogo, mesmo na discordância. Assim, nos tempos dos
apóstolos, Paulo escreve que contestou abertamente a Pedro (Gl 2, 1ss). No
século III, São Cipriano de Cartago tomou posição oposta a Estêvão, bispo de
Roma. Contestou-o fortemente e chegou a afirmar em uma carta: Você é bispo de
Roma, mas na Igreja, não existe super-bispo”,
No século IV, São Basílio, bispo de Cesaréia, “recusou-se a reconhecer o
bispo de Roma como juiz supremo da Igreja universal, embora aceitasse que esse
exercesse uma autoridade própria em campo doutrinal”[1]. Em
outro momento e se relacionando com outro papa em Roma, Santo Ambrósio, como
bispo de Milão, afirmou: “Desejo estar unido à Igreja Romana,
mas ela deve lembrar que nós também temos raciocínio e juízo, assim como também
somos dotados de razão humana. Eles têm costumes litúrgicos e teológicos e os
justificam pelas melhores razões. Nós também mantemos os costumes que nos são
próprios, pelas melhores razões”
[2].
Atualmente,
o papa Francisco tem retomado a importância das Igrejas locais e propõe a
descentralização. Recentemente, assinou um decreto que dá às conferências
episcopais pleno direito de decidir as traduções de textos litúrgicos. O papa
precisa da nossa oração e apoio para que as suas propostas possam chegar às
bases e, de fato, colocar a Igreja a serviço da humanidade. Não podemos deixá-lo isolado. Ele nos chama à
profecia. Todos sabemos que a profecia nunca conviveu bem com unanimidade.
Todos os profetas e profetizas sofreram marginalização. O que é novo agora é
que isso acontece até quando o profeta, por acaso, é um papa.....
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países
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