Por Marcelo Barros
Essa
semana é marcada por dois acontecimentos que, à primeira vista, parecem sem
nenhuma relação, mas, de fato, estão profundamente ligados. A ONU considera o
02 de outubro como o “dia internacional das pessoas sem-teto”. No mundo atual, 250
milhões de seres humanos são empobrecidos e excluídos dos seus direitos básicos
por uma elite social cruel e impiedosa que domina o mundo. Obrigados por
guerras assassinas ou pela fome provocada pelos impérios do mundo, uma multidão
de migrantes e refugiados buscam desesperadamente salvar as vidas suas e de
suas famílias nas fronteiras de países que não os acolhem ou recebem muito mal.
No Brasil, os dados da ONU falam em 33 milhões de brasileiros sem moradia, dos
quais 24 milhões de sem-teto sobrevivem em meio a nossas cidades.
O outro evento que marca essa semana é
religioso. A partir dessa quarta-feira à noite, as comunidades judaicas
celebram a festa das Tendas (Sukkot). Durante oito dias, em toda casa judaica,
as pessoas armam uma barraca improvisada como uma tenda no jardim. Nela, devem
viver durante o período da festa. É o modo de recordar o tempo em que os
hebreus peregrinaram pelo deserto, conduzidos por Deus, em busca da terra
prometida. A festa das Tendas lembra que todos somos peregrinos/as. Na base da
fé está a esperança da libertação e a luta para que a terra seja chão de irmandade
para toda humanidade.
A
respeito dessa festa, diz o Zohar, livro sagrado da Cabala: “Durante todo o
Sukkot, as pessoas devem estar felizes em se alegrar de diversas formas”. Pode
parecer estranho um livro religioso pretender ordenar alguém a ser feliz. É
que, na Bíblia, Deus revelou o seu projeto de um mundo de paz e justiça
habitado por uma humanidade de irmãos e irmãs em comunhão com todo o universo.
Procurar ser feliz e fazer os outros viverem com alegria e na paz é atender a
esse apelo de Deus. A festa das Tendas recorda a todo crente essa
responsabilidade.
Atualmente,
vivemos no Brasil um tempo de conflitos sociais e políticos. Os mais pobres,
organizados em movimentos sociais, viram um governo constitucional ser
derrubado e um bando de aventureiros nada recomendáveis se apoderarem do país.
A alienação, pregada pelos grandes meios de comunicação interessados na
deseducação do povo, fomenta um clima de grande intolerância. A tentação mais
frequente é a do desânimo em relação ao futuro.
Nesse contexto, precisamos de uma grande celebração das Tendas, como
festa da esperança. Aceitamos retomar uma espiritualidade do deserto como
treinamento para um tempo novo de justiça ao qual Deus nos convoca. O Brasil
pode se orgulhar do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). Em muitas de
nossas cidades, ele tem contribuído para organizar a população sem teto e chama
a atenção de toda a sociedade para o grave atentado aos direitos humanos,
sofridos pelos irmãos e irmãs que vivem sem habitação.
Seja
qual for sua pertença religiosa ou mesmo que você não tenha nenhuma, se coloque
com os migrantes, refugiados e sem-teto nessa caminhada das tendas para uma
terra de justiça e partilha fraterna centrada no amor. E creia: onde houver
esse amor solidário, aí está o Espírito que recria de felicidade a sua vida e a
de todo o universo.
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países
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