Por Marcelo Barros
Nessa
semana, o mundo inteiro e especialmente as Igrejas encerram as celebrações dos
500 anos da Reforma. Conforme a tradição, no dia 31 de outubro de 1517, o monge
Martinho Lutero pregou nas portas da catedral de Wintemberg as suas 95 teses
para reformar a Igreja e fazê-la voltar ao espírito do Evangelho. De fato,
aquele momento foi o estopim que desencadeou o surgimento das igrejas luteranas
e evangélicas. No entanto, o que se chamou de “reforma protestante” foi um
movimento eclesial muito mais amplo e diversificado do que aquele, liderado por
Lutero, Melanchton, Zwinglio, Catarina de Bora, Katherine Zell e outras
mulheres que faziam parte do grupo dos reformadores. Atualmente, cristãos de
várias Igrejas concordam que na história da Igreja do Ocidente, houve três
grandes movimentos de reforma.
A
primeira reforma ocorreu ainda nos inícios do segundo milênio. Nos séculos XII
e XIII, esse movimento de reforma foi conduzido por pessoas como Francisco de
Assis, Valdo de Lyon, Joaquim de Fiori, Catarina de Sena e o movimento das
místicas (beguinas) que, no norte da Europa, se constituíam como comunidades
livres e, em muitos casos, em tensão com a hierarquia católico-romana. De fato,
quando Lutero, Calvino e os/as reformadores/as iniciaram o seu movimento, o
combate ao mundanismo do clero, o apelo evangélico à simplicidade e a
centralidade da Sagrada Escritura já estavam no coração de muitos cristãos. Tanto
que o movimento da reforma coincidiu também na Igreja Católica com movimentos
de espiritualidade como de Teresa de Ávila e João da Cruz e o Concílio de
Trento não foi apenas convocado para combater os protestantes, mas para fazer
uma reforma na estrutura e no caminho da Igreja Católica.
Não
seria exagero afirmar que, atualmente, na maioria das Igrejas cristãs, vivemos
um movimento espiritual que é como uma terceira reforma. Desde os seus inícios,
o Ecumenismo sempre se afirmou como um movimento de renovação do Cristianismo.
Só é possível pensar uma aproximação profunda das diversas confissões cristãs e
um caminho de unidade entre elas, a partir de um esforço evangélico de
renovação das mentalidades e das estruturas. E o que é novo, ao menos na
América Latina é a convicção de que a renovação da Igreja só pode ter uma
direção: tornar as nossas Igrejas mais aptas para cumprirem com fidelidade a
sua missão no mundo. Tanto na Igreja Católica, na comunhão anglicana como nas
Igrejas evangélicas e pentecostais, essa nova reforma tem um conteúdo social e
político claro. Em um mundo cada vez mais excludente e desigual, não é possível
para quem tem fé se conformar com as gritantes desigualdades sociais, com as
injustiças sofridas pelas minorias raciais, étnicas e sexuais. Se existe Deus e
se cremos que Jesus de Nazaré é seu enviado, só podemos testemunhar isso se, de
todas as formas, trabalhamos para transformar esse mundo de acordo com o
projeto divino da paz, justiça e defesa da criação.
Há
500 anos, Lutero atualizou um ditado medieval que afirmava: “A Igreja cristã
tem por missão se renovar permanentemente”. As comunidades e fieis cristãos
podem verificar como está o seu índice de fidelidade ao Evangelho e à proposta
de Jesus por sua disponibilidade em se renovar tanto no âmbito interior de cada
pessoa, como no plano da comunidade. O eixo fundamental dessa reforma
permanente em nós e na Igreja é nossa abertura ao mundo e nossa sensibilidade
para com os grandes problemas sociais do nosso país.
Há
50 anos, em Medellín, na Colômbia, a 2ª conferência geral dos bispos
católico-romanos da América Latina lançaram um apelo que se dirige até hoje aos
cristãos e cristãs de todas as Igrejas e retoma o grito da reforma de Lutero há
500 anos e o atualiza para nossa realidade: “Devemos dar às nossas Igrejas na América Latina o rosto de uma Igreja
missionária e pascal (isso é, uma Igreja que sempre se renove e se abra ao
futuro). Uma Igreja comprometida com a caminhada de libertação de toda a
humanidade e a libertação de cada pessoa humana em todas as suas dimensões
pessoais e suas potencialidades”.
(Documento 5 das
Conclussões de Medellín, n. 15).
Marcelo Barros é monge beneditino e teólogo. Autor de mais de 50 livros, é
assessor de comunidades eclesiais de base e movimentos sociais. Atualmente é
coordenador latino-americano da Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro
Mundo (ASETT). Email:contato@marcelobarros.com
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