Por
Marcelo Barros
No
mundo atual, sem dúvida, na base da crise econômica, sócio-política e ecológica
da humanidade há um problema cultural. Quando há um terremoto, os técnicos
procuram onde se deu o epicentro, isso é, o ponto nodal de onde partiu a falha
da camada geológica. O epicentro da crise que a humanidade vive pode estar em
uma violência cultural que nos fez romper com a dimensão comunitária que está
inserida no DNA de cada ser humano e aceitar o individualismo, a cultura de
competição e de absolutização do lucro que o papa Francisco chama de "cultura da indiferença" com o sofrimento dos pobres, tratados como
descartáveis.
Por
isso, cada vez mais aumenta o número de pessoas que acreditam: um elemento
fundamental na luta básica contra esse sistema dominante é organizar a
humanidade contra a barbárie. Isso é feito quando os pobres se organizam em
movimentos sociais e quando buscamos fortalecer uma democracia participativa e direta.
No entanto, para quem crê, o desafio cotidiano é acompanhar essa luta social
por uma necessidade de permanente conversão pessoal. Ora, isso só é possível em
comunidade.
Cenáculo
é o nome com o qual a tradição cristã chama "a sala alta", na qual,
segundo os evangelhos, Jesus fez sua última ceia com os discípulos e
discípulas, antes de ser preso. Segundo o evangelho de Lucas, depois que Jesus
desapareceu da vista deles, os discípulos e discípulas, reunidos com Maria, mãe
de Jesus, ficaram no cenáculo em um primeiro retiro do grupo, à espera do
Espírito. Ali, naquela sala, aconteceu o primeiro Pentecostes cristão, com a
descida do Espírito de Deus sobre a comunidade reunida.
De
fato, na história da Igreja, o cenáculo ficou sendo o símbolo de uma comunidade
que, mesmo em meio às tensões, resiste unida. É parábola da utopia do reino de
Deus. Em meio à resistência, anuncia a esperança da libertação. Por isso, para
nós mesmos e para os irmãos e irmãs, precisamos formar sempre novos cenáculos
que possam ser espaços de comunhão recíproca, de resistência à sociedade
dominante e de fortalecimento dos irmãos e irmãs no caminho da utopia. Precisamos
de células de resistência, de círculos de cultura da comunhão e da
solidariedade.
É
preciso que, mesmo dispersos/as por diversos lugares e cada um/a com a sua
luta, no meio da dispersão do mundo, formemos uma rede de cenáculos, ou seja
uma teia invisível, ecumênica e libertadora, importante para as Igrejas e para
o mundo.
Em
1968, quando na Europa, a juventude protestava contra tudo, o sociólogo tcheco
Theodore Rozvak escreveu sobre a Contracultura. Em um texto citado por Luiz
Alberto Gomez de Souza - Rozvak afirma que quando o Império Romano entrou em
declínio e as sociedades na Europa buscavam uma base para se firmarem,
encontraram essa base no que ele chama de "paradigma monástico". De tato, naquela época, foram os
mosteiros beneditinos que ao insistirem na cultura da paz (em uma Europa
convulsionada pelas constantes invasões dos então chamados bárbaros), na prática da agricultura, no valor do trabalho e nos
valores comunitários, conseguiram formar gerações e construir um novo modelo de
civilização.
Rozvak
propõe que, atualmente, para além de qualquer pertença religiosa, o paradigma cultural monástico possa
oferecer algo de novo e de importante para refazer as relações sociais e refazer
uma cultura de paz.
Nesse
mundo dividido, o projeto comunitário de tipo alternativo e subversivo ao
modelo do mundo atual continua atual e necessário.
Uma
pesquisa recente que apareceu no site do IHU (Instituto Humanitas - de São
Leopoldo, RS) dizia que no Brasil, existiam 775 projetos ou experiências
concretas de comunidades religiosas de tipo novo. A maioria delas ligada a
movimentos carismáticos e com fortes acentos conservadores e "de
direita". No entanto, algumas são mais abertas e originais. É cada vez
mais urgente que as pessoas com vocação para transformar esse mundo formem
redes ecumênicas de apoio mútuo e de abertura espiritual a toda humanidade, círculos
comunitários, verdadeiros cenáculos de resistência e comunhão que ajudem os
seus próprios membros a se converterem e, assim, possam ser ensaios de um mundo
novo possível.
O
desafio permanente para todos os nossos grupos é sempre partir do interior de
cada irmão e irmã, membro do grupo. Vivemos em comunidade porque precisamos nos
converter sempre. Assim como aconteceu com os primeiros cristãos, as pessoas que nos veem podem perceber nossa
fragilidade e nossos defeitos (somos iguais a eles e elas). Mas é importante
que, seja como for, possam dizer como se dizia dos primeiros cristãos: "Vejam como eles se amam".
Marcelo Barros, monge beneditino e escritor, autor de 26 livros dos quais o mais recente é "O Espírito vem pelas Águas", Ed. Rede-Loyola, 2003. Email: mostecum@cultura.com.
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