Maria Clara Lucchetti Bingemer
Um cardeal na Igreja
Católica é alguém que
assiste o Papa em diversas competências e
goza de sua mais estreita confiança. O vermelho púrpura de suas vestes
significa dedicação total ao pontífice e até mesmo que está pronto a derramar o
sangue por ele.
Na diplomacia, os cardeais são considerados
“príncipes da Igreja”. E a etimologia da palavra que designa
seu cargo – cardeal –tem raiz no latim cardo, que
em português se poderia traduzir por eixo ou gonzo. Ou seja, algo
que gira em torno da cabeça da Igreja que é o Papa.
Principado, diplomacia, púrpura. Todas
palavras que designam importância, prestígio, honraria. E, no entanto, a pessoa
de um dos cardeais recentemente “criados” pelo Papa Francisco, o polonês Konrad
Krajewski, parece implodir e confundir esses significados.
Nascido em Lódz, Polônia, Krajewski tem 54
anos. E desde 2013 é o responsável pela Esmolaria Apostólica,
departamento da Santa Sé que tem a função de praticar a caridade para com os
pobres em nome do Sumo Pontífice. Existente desde os primeiros
séculos da Igreja, estava primeiramente sob a competência dos diáconos, homens
de boa reputação que auxiliavam os apóstolos no atendimento aos pobres, aos
órfãos e às viúvas. Depois o cargo passou a ser ocupado por alguém que tivesse
recebido a dignidade arquiepiscopal.
Todas as doações que chegam à Esmolaria Apostólica
são inteiramente destinadas à caridade para com os desvalidos que recorrem ao
Papa pedindo ajuda. E Konrad Krajewski cumpre fielmente essa missão há anos,
percorrendo as ruas de Roma e oferecendo refeições e assistência aos pobres que
por ali andam, sem moradia, passando extrema necessidade.
Porém não se limita a isso a criatividade
caritativa do novo cardeal polonês. Em seu trabalho como Esmoleiro
apostólico, além de oferecer alimento aos pobres, procurou devolver-lhes
dignidade. Providenciou a disponibilização de um dormitório, chuveiros, uma barbearia e uma
lavanderia perto do Vaticano para pessoas
desabrigadas. Desta maneira, o cuidado de si, elemento constitutivo da
dignidade humana, pôde ser experimentado novamente por essas pessoas que se
encontravam despojadas desses recursos.
Não
se detém aí a inventividade do Esmoleiro apostólico. Para refugiados que
sobrevivem às perigosas e ameaçadoras viagens de barco da África ou do Oriente
Médio até a ilha de Lampedusa, distribuiu mais de mil cartões telefônicos
pré-pagos a fim de que pudessem avisar suas famílias que haviam chegado e se
encontravam em segurança.
Organiza
também regularmente visitas guiadas a lugares turísticos tradicionais de Roma,
como a Capela Sistina e a Basílica de São Pedro, para os moradores de rua.
Juntamente com outros voluntários, entre eles vários guardas suíços, começa e
recomeça diariamente sua peregrinação caritativa em busca dos pobres e
necessitados de Roma. Bem lhe havia dito Francisco ao nomeá-lo que podia vender
sua mesa de trabalho, pois não deveria permanecer nela sentado. Sua
missão era sair ao encontro das pessoas carentes em nome do Papa e da
Igreja.
Em
2017, ao saber da chegada de um casal sírio que não tinha onde alojar-se, dom
Conrado ofereceu-lhes o apartamento que o Vaticano lhe havia destinado como
funcionário. Mudou-se, então, para o escritório onde fica a sede da
Esmolaria Apostólica. Aos que se surpreenderam com seu gesto,
justificou com simplicidade e lógica irrefutável. “Isso é algo normal, nada
excepcional. Não tenho família, sou um simples sacerdote; oferecer meu apartamento
não me custou nada".
O
cardeal Krajewski é, na verdade, o braço e o coração estendidos do Papa para
fazer sentir aos pobres seu carinho e presença. Muitas vezes o então
arcebispo Bergoglio saía à noite pelas ruas de Buenos Aires para encontrar os
pobres e os moradores de rua, levando-lhes ajuda e alento. Não
podendo fazê-lo agora, deseja que seu Esmoleiro apostólico o faça, em seu nome
e em seu lugar.
Ao
nomear cardeal este polonês inteiramente dedicado a seus irmãos mais
vulneráveis, Francisco fala de forma mais eloquente do que se fizesse longos
discursos. Assinala com clareza qual deve ser a atitude e a missão
daqueles que na Igreja se encontram nos cargos de maior visibilidade e
liderança: estar a serviço do povo e sobretudo dos mais pobres.
Declarar
príncipe da Igreja alguém que dispende seu tempo e energias em ambientes e
situações nada “principescas” ou nobres, Francisco mostra como deve ser a vida
dos seguidores de Jesus, o Nazareno. Este dependia apenas de suas sandálias
andarilhas e não tinha onde reclinar a cabeça. E é reconhecido e proclamado
por seus discípulos como Príncipe da Paz.
A
nomeação de Konrad Krajewski cardeal foi celebrada condignamente com um alegre
jantar do qual participaram cerca de duzentos pobres e pessoas em situação de
vulnerabilidade. Assim era atendido um pedido expresso de Francisco
que, em carta aos quatorze recém nomeados purpurados, pediu que não celebrassem
a nomeação com festas marcadas pela “mundanidade”.
Krajewski
entendeu bem o recado do pontífice. Valeu tanto a pena que recebeu um convidado
inesperado em meio à alegria da refeição que partilhava com seus amigos das
ruas: o Papa em pessoa. Francisco sentou-se à mesa e ali ficou por duas horas
partilhando o alimento, o afeto e ouvindo as histórias dos que celebravam a
nomeação do servidor das ruas de Roma como príncipe da Igreja. Que Deus abençoe
o novo cardeal.
Maria Clara Bingemer é teóloga,
professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de Testemunho: profecia, política e sabedoria, Editora
PUC-Rio e Reflexão Editorial, entre outros livros.
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