Por Marcelo
Barros
Quando se
fala em Política, a maioria das pessoas aponta a corrupção como a fonte de
todos os males. Muita gente não percebe que a corrupção econômica e política
faz parte da própria lógica do sistema vigente. Não se trata apenas de pecados
pessoais desse ou daquele. Falou-se muito em passar o Brasil a limpo, mas está
acontecendo exatamente o contrário. Como no tempo da Bíblia, pregava o profeta Jeremias chama-se o bem de mal e ao
mal se considera bem. O milagre dessa proeza que embaralha a visão justa e faz
as pessoas se enganarem está no interesse dos senhores que dominam a sociedade.
Eles manipulam a opinião pública,
manobram a justiça e financiam o legislativo. Fazem com que pareça honesto
e legítimo que apenas cinco brasileiros detenham uma riqueza equivalente à
renda da metade de toda a população brasileira (Carta Capital, 27/ 06/
2018). E apontam como corruptos, alguns que vêm de classe mais pobre e ousaram
achar que poderiam ser tratados como iguais. Esses são condenados por qualquer
suspeita de irregularidade. Um ex-presidente é acusado de possuir
ilegitimamente um apartamento de proletário que ninguém consegue provar que lhe
pertencia. Fazem um julgamento cheio de irregularidades jurídicas, o condenam
rapidamente e o prendem contra todas as normas de legalidade. De fato, Lula
não aprendeu a lição de dois dos seus
predecessores que multiplicaram suas riquezas no exercício do poder e, claro,
de forma absolutamente legal. Um enriqueceu em diversos cargos políticos e se
tornou dono de praticamente tudo o que existe de maior e mais lucrativo no seu
estado de origem. O outro, mais intelectual, prefere manter a posse de dezenas
de apartamentos no exterior, sendo os mais conhecidos o do Central Park em Nova
York, o outro em Barcelona, em Paris e assim por diante... E a cultura vigente
conclui: "Esses souberam ser
espertos. Quem manda não saber se fazer na vida?".
Quanto aos
juízes dos tribunais da inquisição, vale o que disse Jesus a respeito dos
doutores da lei do seu tempo: "filtram um mosquito e deixam passar um
camelo"(Mt 23, 24).
Por falar
em camelos econômicos, os donos da rede de televisão que domina o mercado das
comunicações em todo o Brasil não precisam de se preocupar se sua fortuna não
tem um centavo obtido de forma lícita e honesta. Eles contam com os favores de
ministros do Supremo e garantem apoio ao governo que abre o país às empresas
petrolíferas do mundo todo.
Em artigo
magistral que se divulgou pela internet, Malu Ayres afirma: "A sonegação fiscal no Brasil chega,
por ano, a roubar dos cofres públicos R$ 1 trilhão". Qual a lava-jato
que se preocupou com isso? Afinal, "A
folha de pagamentos dos desembargadores do RRF 4 compraria, em cada mês, uns
dez triplex daquele".
Na
realidade política brasileira, o mais estranho é que, em todas as denúncias e
nas milhares de páginas dos processos de corrupção que enchem as mesas dos
juízes da Lava-jato e de outras operações similares, nada aparece sobre bancos.
Bancos e banqueiros são todos puros e vão para o céu. Quem sabe, o dinheiro da
corrupção viaja de um país a outro, ou migra para paraísos fiscais sempre no
bolso de alguma cueca ou voam milagrosamente por obra de algum santo, padroeiro
dos doleiros? Enquanto isso, nas ruas e ambientes familiares, as pessoas comuns
se devoram, como desejam as redes que dominam a comunicação de massa. Não
somente fazem o povo de bobo, como apostam na cultura da intolerância e do ódio
que sempre leva ao fascismo.
Daqui há
quinze dias, o Brasil entrará claramente no período de campanha eleitoral. Como
podemos ajudar as pessoas a compreenderem melhor a natureza da crise ética a
que estamos submetidos? É preciso ajudar o povo a perceber o farisaísmo
oportunista que distrai a atenção das pessoas, manipula os dados e favorece o
verdadeiro roubo do dinheiro público. É preciso a população acordar em tempo
ainda de salvar o que ainda sobrou da grande devastação a que o país está
submetido.
Em tudo
isso, o mais triste é ver pessoas e grupos que seguem a fé e se dizem
espirituais e se negam a ver a realidade. Em outubro próximo, o papa Francisco
vai declarar como santo o arcebispo mártir de San Salvador, Dom Oscar Romero.
Em uma de suas homilias, Dom Romero afirmava: “É fácil ser portador da Palavra e não incomodar a ninguém. Basta ficar
no espiritual e não se engajar na História. Dizer palavras que podem ser ditas,
não importa onde e quando, porque não são propriamente de parte alguma” [1].
Marcelo Barros, monge beneditino e escritor, autor de 26 livros dos quais o mais recente é "O Espírito vem pelas Águas", Ed. Rede-Loyola, 2003. Email: mostecum@cultura.com.
[1]
- OSCAR ROMERO, l´Amour Vainceur,
citado por PIERRE VILAN, Os Cristãos e a Globalização, Sao Paulo,
Ed. Loyola, 2006, p. 41.
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