Por Marcelo
Barros
No Brasil, essa semana é marcada
pelo dia 21, data nacional do combate à intolerância religiosa. Nessa sociedade
mergulhada em desigualdade social cada vez mais violenta, o respeito e diálogo
entre as religiões pode ser instrumento de humanização e testemunho do Amor
Divino.
A ONU
consagra o 21 de janeiro como “dia
mundial das religiões”. Desde que
foi iniciada essa comemoração, o mundo se foi descobrindo sempre mais diverso e
plural. Por isso, essa data se tornou importante para provocar uma reflexão
profunda sobre a diversidade religiosa e combater as raízes de qualquer
intolerância.
No
Brasil, a Constituição Brasileira garante a liberdade de culto e o direito de
todas as pessoas exercerem livremente a religião que quiserem. A Lei nº 7.716,
de 5 de janeiro de 1989, alterada pela Lei nº 9.459, de 15 de maio de 1997,
considera crime a prática de discriminação ou preconceito contra religiões.
Apesar disso, em todo o país, diariamente, ocorrem ataques a templos de cultos
afro-brasileiros e agressões a comunidades que os praticam. No dia 21 de
janeiro de 2000, Gildásia dos Santos, conhecida como Mãe Gilda de Ogum,
Ilyaorixá do Ilê Abassá em Salvador, BA, morreu em decorrência de agressões e humilhações
sofridas por parte de grupos neopentecostais. Em 2007, para que fatos como esse
não aconteçam mais, o Presidente da República instituiu o 21 de janeiro como o Dia de combate à intolerância religiosa.
Naquela ocasião, a Secretaria da
Presidência da República para os Direitos Humanos criou uma comissão especial
para zelar pela diversidade religiosa. Além disso, em diversos estados, se
criaram fóruns e grupos que velavam pelos direitos à liberdade de expressão por
parte de todos os segmentos espirituais. Apesar disso, aqui e ali, ainda ocorriam
atos de discriminação e de violência, principalmente contra religiões e cultos
de matriz africana. Às vezes, a intolerância era clara, outras vezes, camuflada
sob o pretexto de protesto contra o barulho dos tambores ou contra o sacrifício
de animais.
Mais
de dez anos depois, o Brasil respira um clima social e político baseado na
intransigência e na prática da violência. Pior ainda é o fato de que a elite
econômica e política atrelada ao Império usa formas de Cristianismo
exclusivista para se legitimar. O atual
governo extinguiu as secretarias para Direitos Humanos e para a Diversidade
Religiosa. Autoridades parecem ignorar o caráter laical do país. Gritam o lema
nazista Deus acima de todos para
disseminar uma subcultura do ódio, da intolerância ao diferente e da apologia à
violência. Por isso, se torna ainda mais importante e imprescindível que a
sociedade civil e os próprios grupos religiosos assumam a missão do diálogo e
do combate à intolerância. Na omissão criminosa do Estado, a própria sociedade
civil pode colaborar e proporcionar espaços de diálogo, mas esses só
funcionarão se cada grupo religioso aprofundar o caminho do diálogo e da
comunhão como vocação espiritual. De fato, todas as religiões pregam amor,
compaixão e misericórdia. Entretanto, quando se tornam dogmáticas e
autoritárias, se transformam em instrumentos de fanatismo e canais de intolerância.
Confundem a verdade com uma forma cultural de expressar a verdade. Absolutizam
dogmas e acabam justificando conflitos e guerras em nome de Deus.
No decorrer da história, infelizmente,
o Cristianismo foi a religião que mais usou de violência e intolerância contra
infiéis e hereges. Isso em absoluta contradição com o evangelho e o espírito de
Jesus de Nazaré. Atualmente, a diversidade cultural e religiosa não é só um
fato que, queiramos ou não, se impõe à humanidade. É principalmente uma graça
divina e bênção para as tradições religiosas. Para que entre as religiões, o
diálogo possa ser profundo, cada grupo tem de reconhecer o que Deus lhe revela,
não só a partir da sua própria tradição, mas do caminho religioso do outro. No
tempo do nazismo, de uma prisão alemã, escrevia o pastor Dietrich Bonhoeffer,
teólogo luterano: “Deus está em mim, mas
para me abrir ao outro. Em mim, é uma presença fraca para mim mesmo e é forte
para o outro. No outro, a sua presença é para mim. Assim, Deus é amor e se
encontra quando encontramos o outro, o diferente”.
MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 57 livros publicados. O mais recente é Teologias da Libertação para os nossos dias (Vozes). Email: contato@marcelobarros.com
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