Marcelo Barros
Por todo o
Brasil, neste começo do ano, principalmente nos ambientes do interior, muitas
comunidades vibram com danças populares que unem a fé e a cultura popular. Essa
sabedoria nos ensina que, como cantava Chico Buarque: Deus é um cara engraçado que gosta de brincadeira. No Nordeste, as
crianças dançam o pastoril e o reizado. Em Minas Gerais, Goiás e outras
regiões, entre 25 de dezembro e 06 de janeiro, homens e mulheres simples
percorrem as roças e refazem as folias de Reis. De casa em casa, levam a
bandeira do Menino e invocam a benção divina para as famílias. Através de
cânticos e do toque de tambores e sanfonas, encenam a peregrinação que,
conforme o evangelho, magos, ou seja sacerdotes de religiões pagãs, fizeram do
Oriente até Belém para homenagear a Jesus.
Pouco
importa se a página do evangelho que conta a visita dos sábios do Oriente ao
menino de Belém é de tipo simbólico. Os próprios magos não são figuras
históricas, mas a tradição os tornou reis magos e fez da viagem deles,
conduzidos por uma estrela, do Oriente até Belém o protótipo de toda a busca interior
e profunda que as pessoas vivem. A tradição os retrata como símbolos de raças
diversas. Todo mundo lembra de Melquior, o rei negro. No Oriente, um ícone
medieval apresenta uma mulher no número dos magos que viajaram a Belém.
Em sua
mensagem de Natal, Pedro Ribeiro de Oliveira chama a atenção para o fato de
que, atualmente, vivemos na sociedade do mercado dominado pelo capital. Hoje, o
mercado não é mais composto por seres
humanos, como eram as feiras do interior, onde o povo da roça troca sua
produção por mercadorias industriais. Agora, o mercado é dominado por fantasmas
chamados "pessoas jurídicas" que não têm outro objetivo na existência
senão fazer multiplicar o capital nelas investido. Os seres humanos são meros empregados
desses fantasmas. Devem, apenas, cumprir ordens anônimas que beneficiam o
capital. (Como a Vale do Rio Doce, que este ano vai pagar mais dividendos aos
sócios do que reparação às vítimas de seus crimes ambientais). Diante desses
Herodes de hoje, bem piores do que o Herodes original, já que são corporações e
não apenas um ditador, se torna mais importante do que nunca assumirmos o papel
dos magos no caminho de Belém. Precisamos lembrar a esse mundo sem rumos que
ouvimos a voz das estrelas. Mesmo de tradições, culturas e religiões diversas,
nos reunimos e, juntos, vivemos a mesma aventura para apreender o mistério da
vida. O sentido mais profundo das celebrações populares do Natal e dos Reis
Magos é revigorar essa procura no mais profundo de cada crente. Hoje, os magos
somos nós e todas as pessoas que não desistem da busca interior e se dispõem a
aprofundar o diálogo na escuta e no
aprendizado uns com os outros.
Nos nossos
dias, o papa Francisco tem insistido em que a fé cristã se vive na inserção no
mundo atual, na solidariedade a todos os grandes problemas da humanidade. A
missão de quem é de Deus é fazer como Jesus: criar pontes e não muros. Fazemos
isso quando aceitamos nos despojar de nossa autossuficiência e nos inserir na
comunidade humana e na comunhão de todos os seres vivos. Para retomarmos essa
busca interior e nos abrir ao diálogo com todos os irmãos e irmãs que se
colocam conosco nessa estrada, o Natal nos convida a começar de novo e aceitar
ser como crianças abertas ao amanhã. Adélia Prado, nossa grande poetisa, tem um
poema-oração que diz assim: "Meu
Deus, me dá cinco anos. Meu Deus, me dá a mão e me cura de ser grande".
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