Frei Betto
O Planalto anuncia a reforma tributária. No Brasil, entre várias distorções,
destaca-se o fato de o governo tributar pesadamente o consumo e a produção,
quando deveria arrecadar mais da renda. Vigora hoje o imposto regressivo - quem
é mais pobre e ganha menos paga, proporcionalmente, mais impostos que os mais
ricos.
A tributação deveria ser progressiva – cobrar mais impostos sobre renda e
patrimônio, e isentar quem ganha até R$ 4 mil. Assim, os 206 bilionários
brasileiros contribuiriam mais para financiar os serviços públicos. Na
tributação regressiva recolhem-se mais recursos nos impostos sobre consumo de
bens (sabão, arroz, liquidificador etc.) e serviços (luz, água, lanchonete
etc.). Os impostos embutidos em bens e serviços são pagos por toda a população,
sem distinção de poder aquisitivo. A faxineira e o banqueiro pagam o
mesmo por um quilo de batatas. Ocorre que o imposto embutido no preço da batata
é proporcionalmente maior em relação à renda do pobre. Ora, como os mais
pobres consomem parcela maior de sua renda, assim acabam contribuindo
relativamente mais para saciar a voracidade do Leão.
Por
que o Brasil, ao contrário de países desenvolvidos, adota o imposto regressivo?
Além de o governo estar sob o poder dos ricos, a tributação sobre produtos e
serviços é mais fácil de ser arrecadada. Se houvesse imposto progressivo, isto
é, tributação sobre a renda de pessoas físicas, a arrecadação seria bem maior.
E a redução dos impostos sobre bens e serviços viria barateá-los e aquecer o mercado,
inclusive aumentar a geração de empregos. Essa tributação indireta, via
produtos e serviços, favorece as desonerações fiscais, que sempre beneficiam os
mais ricos, como a indústria automobilística.
Como sugere o economista Rodrigo de Losso, é preciso corrigir a base de cálculo
sobre a qual se aplicam a alíquotas do imposto de renda. Como os salários são
corrigidos anualmente, tendo em conta a inflação do ano anterior, a atual
correção pela inflação faz com que pessoas que estavam isentas passem a pagar
imposto, o que aumenta a arrecadação, pois quando os salários são corrigidos
isso não significa que os trabalhadores passaram a ganhar mais em termos
reais.
Também os dividendos (a parte do lucro da empresa repartida entre os
acionistas) recebidos por pessoas físicas deveriam ser tributados, o que
poderia aumentar a arrecadação em até R$ 60 bilhões. Apenas dois países não
cobram este tributo: Brasil e Estônia. Hoje, as isenções de
dividendos beneficiam 2,1 milhões de pessoas, dentre elas as 20,9
mil mais ricas do Brasil (0,01% da população), que pagam de imposto
1,56% de sua renda total, uma vez que boa parcela dessa renda vem de dividendos
e é isenta de imposto.
Ao tributar dividendos, as empresas seriam estimuladas a reparti-los menos
com seus acionistas, e a fazer mais investimentos e gerar mais empregos. Em
suma, a reforma tributária precisa reduzir os impostos indiretos e aumentar o
imposto de renda de pessoas jurídicas.
Segundo o economista Róber Iturriet Avila, o Brasil já teve uma
tributação mais progressiva. Porém, desde a ditadura as alíquotas máximas
de imposto de renda, que no passado chegaram a 65%, foram reduzidas
até o patamar atual de 27,5%. Na Alemanha a alíquota chega a 45%; e
na Suécia, 56,7%.
Atualmente, 51,3% dos impostos recolhidos nas três esferas de governo (federal,
estadual e municipal) têm origem no consumo de bens e serviços; 25% na folha de
salário; 18,1% na renda; 3,9% na propriedade; e 1,7% em demais impostos.
Na Dinamarca e nos EUA, por exemplo, metade da arrecadação vem
de impostos sobre a renda e lucros.
No Peru, Chile e Colômbia tais tributos representam,
respectivamente, 39,9%, 35,8% e 33,5% da arrecadação.
No Brasil, os impostos
sobre patrimônio compõem apenas 3,9% da carga tributária.
No Reino Unido, 12,3%; na Colômbia, 10,6%; e na Argentina, 9,2%. Os
tributos que nosso país, quinto maior do mundo em extensão, recolhe sobre áreas
rurais representam apenas 0,06% da arrecadação. Nos EUA e Canadá, 5%; no Chile,
4,5%; no Uruguai, 6%.
A tributação sobre heranças é também muito baixa no Brasil. Representa apenas 0,2% da
arrecadação, e a alíquota varia por estado, mas a média é de 4%. No Reino
Unido é de 40%; nos EUA, 29%; no Chile, 13%.
Até
2030 estima-se que a população brasileira será 10% maior que hoje. Como
os gastos públicos estarão congelados e tendem a aumentar os gastos
previdenciários, devido o envelhecimento da população, os demais serviços
públicos, como saúde e educação, terão que ser reduzidos necessariamente.
O Brasil está
entre os países com maiores desigualdades do mundo, por tributar
proporcionalmente mais os pobres e menos os ricos. Como os dados comprovam que
a elite brasileira paga menos impostos que a classe média e a população de
baixa renda, é preciso que haja muita pressão para que ocorram mudanças em
nosso sistema tributário e ele se torne progressivo.
Frei Betto é escritor, autor de “Paraíso perdido –
viagens ao mundo socialista” (Rocco), entre outros livros.
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