Por Marcelo Barros
Há menos de um mês desejávamos uns aos outros ano novo de
paz. No entanto, do início de janeiro até hoje, o mundo continua imerso em um
mar de violência. O presidente dos Estados Unidos assume oficialmente que, em
ato terrorista, mandou assassinar um general do Irã e ao armar o atentado no
Iraque, por acaso, matou mais onze pessoas. Na Europa, governos deixam
migrantes clandestinos se afogarem no Mediterrâneo. No Brasil, mesmo sem guerra declarada, morre
mais gente assassinada as nas periferias das cidades do que em muitos combates
de guerra. Policiais e traficantes disputam quem mata mais. Cada dia, milícias
particulares e membros da própria polícia exterminam rapazes da periferia e de
preferência negros. O governador do Rio de Janeiro declara que matar bandido
não fere a Constituição. Esse extermínio de jovens, com requintes de crueldade,
lança o veneno da desesperança sobre o futuro.
O mais trágico é que muitos desses homens cujo esporte é
matar ou provocar a morte de milhares de pessoas se dizem cristãos e não ligam
a fé com a solidariedade e a defesa da vida. Ao contrário, fomentam uma cultura
de intolerância e violência. Meios de comunicação transmitem a ideia de que a
pena de morte é a única solução para os problemas do Brasil.
Em Nova Dehli, na Índia, nessa segunda-feira e durante toda
a semana, milhões de pessoas visitam o túmulo do Mahatma Gandhi. Reverenciam o profeta
da paz e da não violência, assassinado por um fanático religioso hindu, no dia
30 de janeiro de 1948. Ele ensinava que o único remédio para a violência é não
entrar na mesma lógica. Insistia na não violência ativa e no caminho da
verdade. Mais de 70 anos depois, a humanidade ainda não aprendeu. Nos anos 60,
nos Estados Unidos, o pastor Martin-Luther King perdeu a vida. No entanto,
através da não violência ativa, venceu a luta contra a discriminação racial. No
Brasil, Dom Helder Camara consagrou sua vida à luta pacífica pela justiça e
pela paz.
No livro “Pedagogia do
Oprimido”, Paulo Freire afirma que estamos mal porque seguimos um mau
modelo de sociedade e não nos damos conta de que é um caminho equivocado. As pessoas são orientadas a competir. Vencer
na vida passa a significar exercer um domínio sobre outros. A cada dia, a Mãe
Terra, explorada e ameaçada, grita de dor. E a humanidade segue sua luta por
paz. No entanto, como imaginar que pode ter paz um mundo no qual um pequeno
grupo de pessoas privilegiadas possui 90% dos bens disponíveis para todos e o
resto, mais de 80% da população da terra tem de viver com quase nada?
O Capitalismo mundial é uma iniquidade, responsável pela
morte de milhões e pela infelicidade de povos inteiros. Como isso não se faz
impunemente, o sistema se protege com imensos gastos em armamentos. Não se dá
conta de que a única coisa que geraria verdadeira segurança seria a igualdade
social. No momento atual, nenhum país em crise busca alternativas para esse
modelo de organização social.
O único líder mundial sensível a esse problema parece ser o
papa Francisco que convoca para março, em Assis, um encontro com economistas
jovens de todo o mundo para pensar como seria uma economia baseada na
solidariedade às pessoas e no cuidado com a vida no planeta. As Igrejas cristãs
precisam superar a divisão entre fé e vida. Precisam servir ao projeto divino
que os evangelhos chamam de “reino de Deus”. Jesus deu sinais do reino ao curar
doentes, reconciliar pessoas excluídas com a comunidade e anunciar a libertação
de toda pessoa humana. Neste ano, a Conferência dos bispos católicos do Brasil
escolheram como tema da Campanha da Fraternidade 2020: Fraternidade e Vida: Dom e Compromisso. O lema é a palavra do
evangelho que diz: "Viu, sentiu
compaixão e cuidou dele" (Lc 10,33-34). Assim, a fé cristã nos convida
a todos, crentes e não crentes a refletir sobre o significado mais profundo da
vida em suas diversas dimensões: pessoal, comunitária, social e ecológica.
MARCELO BARROS
é monge beneditino e escritor. Tem 57 livros publicados. O mais recente
é Teologias da Libertação para os nossos dias (Vozes). Email:
contato@marcelobarros.com
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